sábado, 8 de maio de 2010

quinta-feira, 29 de abril de 2010

Se Nada Mais Der Certo



Até hoje não consigo pensar numa razão clara e coerente para explicar não ter gostado de A Concepção (2005), do diretor José Eduardo Belmonte, e os motivos que me sobram são pessoais demais, com argumentação baseada mais em gosto do que conhecimento. A proposta da história era interessante. Um homem simplesmente chamado de X propõe à um grupo de jovens a anulação de suas identidades, para só assim conseguirem sobreviver e desestruturar os sistemas sociais conservadores sob os quais todos vivemos. Uma atitude radical? Possivelmente, mas há na atitude de queimar RGs também algo de imaturo, ingênuo, quase infantil. A ideia de revolução está lá, assim como as festas, o álcool e o sexo. A juventude dos personagens (no buraco dos 20 e poucos anos) potencializa isso. E quando as coisas dão errado, emerge algo que se assemelha a uma lição de moral. Belmonte quis chocar, mas castigou seus filhos depois. O resultado contraditório acabou ferindo o filme mais do que deveria.
Pulo para 2009 e encontro um filme que ainda discursa política, mas que faz desse discurso uma ferramenta de auxílio para o desenvolvimento de uma história que poderia ocorrer em qualquer grande metrópole do mundo. Sai o pedantismo ideológico, entra um lirismo consciente.
Se Nada Mais Der Certo traz três personagens centrais, assim como em A Concepção (se excluirmos X da lista). Léo (Cauâ Reymond) é jornalista desempregado que cuida de Angela (Luíza Mariani), - e a relação dos dois nunca fica clara - viciada e com um filho pequeno. Ele vive de freelas pelos quais nunca é pago e descarrega todas as suas criticas e angústias em relação ao mundo em cartas que nunca envia à um amigo. Wilson (João Miguel) é taxista. Típico trabalhador de classe baixa, passa por um período de depressão (ele parece nem fazer ideia de onde vem a tristeza que sente) e vive obcecado por uma arma, herança com a qual seu pai se suicidou. E por último, Marcin, talvez um dos personagens mais complexos do cinema recente. Distribuidor de drogas pelos "buracos" paulistanos, como a baixa Augusta, Marcin vive de seus "corres" e da boa relação que tem com cafetões, prostitutas, traficantes e o que mais conseguir. Marcin não é Márcio e nem Marcinha, é simplesmente Marcin. É algo que parece caminhar muito além da androginía e durante boa parte do filme, realmente nos faz esquecer de taxá-lo de alguma forma, aceitando-o exatamente como é. Todos os méritos à excelente atuação de Caroline Abras. Aliás, o trio de atores está impecável.
É Marcin quem consegue drogas para Angela, que numa noite de loucuras acaba perdendo sua bolsa com todos os documentos dentro, que vai parar nas mãos de um travesti importante e barra pesada. Cabe a Léo tentar resgatar a bolsa e aqui o destino dos personagens se cruzam.
Depois de muita discussão, Léo, Wilson e Marcin acabam fechando um "esquema". A boa aparência de Léo, o táxi de Wilson e os contatos de Marcin fazem com que consigam dinheiro fácil através de ações ilícitas. A felicidade da renda repentina não dura muito e eles logo se sujeitam novamente a situações extremas.
Se em A Concepção a destruição da identidade propunha o verdadeiro estado de liberdade humana, aqui são os roubos que se fazem solução, a classe média em decadência, e o que era liberdade se torna simplesmente instinto de sobrevivência. Na impossibilidade de se ver seguindo uma ética, seja moral ou política, os personagens se entregam da forma que podem ao que lhes parece ser a única saída.
É a partir daqui que percebemos a beleza do filme de Belmonte, principalmente porque essa entrega só é percebida nos momentos de calmaria, nos entreatos. É na filosofia barata do bar, seja num boteco ou num puteiro regados a álcool. É numa viagem à praia, no canto desafinado, no abrir o peito. É na comemoração no apartamento, na bebida, no sorriso do menino, no rock´n roll, na dança desajeitada, na tensão sexual dos corpos. Se Nada Mais Der Certo é um filme onde os corpos tem função essencial. São corpos em constante movimento, em clima intenso e febril, medo e busca por salvação. São corpos indefinidos, sem sexo como o de Marcin, e mesmo assim extremamente sexuais. E diferente do hedonismo de A Concepção, o sexual aqui surge como pulsão na única cena de sexo do filme.
Há a política e seu circo absurdo também. Há literalmente discursos políticos e ideológicos. A trilha de Os Saltimbancos, de Chico Buarque, cai como uma luva de tão bem utilizada. E se você perguntar, o diretor vai dizer que seu filme é uma crítica e blá-blá-blá..., como já o vi fazendo.
Talvez ele prefira esse aspecto de seu filme e não tenha percebido que só alcançou isso ao se dedicar ao outro lado: as relações humanas, a vida em sociedade, o amor e a luta diária por sobrevivência. Tudo isso está no filme e gosto de acreditar que é o que realmente importa ali. Acho que é tão pessoal como os motivos de não gostar de A Concepção, é mais paixão e admiração pela obra do que análise racional.
Mas, por ora, me permito isso e deixo a sugestão de filme. De minha parte, guardo as imagens das belas cenas de uma São Paulo enfim filmada de uma maneira interessante e, como diz Léo lá nos últimos minutos, "e é isso que vou sempre guardar comigo, se nada mais der certo".            

terça-feira, 13 de abril de 2010

Festival Cinesesc Melhores Filmes 2010

No próximo dia 8, começa no Cinesesc mais um Festival Sesc Melhores Filmes 2010.
Até olhar a lista, eu estava concluindo que 2009 foi um ano de bons filmes, mas de pouquíssimos filmes que ficaram na mente por mais de dois ou três dias (alguns se foram em pouquíssimas horas!). A impressão de que não houve  “O” filme.
Durante todo o ano eu tive a impressão de que não havia muitas opções no cinema, partindo do principio de que, como foi um ano cheio, eu só ia para ver filmes pelos quais eu depositava algum interesse específico – na verdade é bem raro que eu assista a um filme sem ter um mínimo de informação prévia (história, atores, diretor, etc.).
Mas ao olhar a lista, percebi que assisti a grande maioria, ou seja, é possível que o ano não tenha sido tão defasado qualitativamente falando, ou que a maioria dos filmes seguiu estiveram dentro de uma média.
Decidi então fazer pequenos comentários sobre os filmes que vi. Talvez, posteriormente, eu escreva mais detalhadamente sobre alguma (s) das produções, mas por hora, deixo minhas rápidas impressões.
É se programar e aproveitar, já que ver bons filmes a preços em conta já se tornou uma distante realidade. Enjoy.

Anticristo (Antichrist), de Lars Von Trier
Dia(s) 08/04, 17/04, 29/04
Quinta, às 19h; Sábado, às 19h e Quinta, às 17h



Casal (Charlotte Gainsbourg e Willian Dafoe) perde o filho pequeno num acidente e a mulher não consegue superar a perda. O marido psicólogo decide tratá-la ele mesmo, levando-a para uma casa no meio da floresta e testando nela os métodos que usa em seus pacientes.
A sinopse parece de filme de terror, e de fato parte do marketing do filme pareceu querer vender essa ideia. Mas é um filme de Von Trier, e ele não vai oferecer algo de mão beijada, nem mesmo um filme de terror. Anticristo foi escrito num momento de depressão do diretor, que disse ter colocado ali muitos dos seus medos e angústias. Assistir ao filme tendo conhecimento desses fato pode dar uma perspectiva interessante sobre o resultado final do filme. É no mínimo de se louvar a criatividade e o trabalho do diretor em transformar seus delírios em imagens. Tirando belas cenas em que o diretor parece querer dizer “Olha, fiz um estardalhaço com o Dogma 95, mas sei filmar, hein!!”,  se Anticristo não será um dos filmes da sua vida, com certeza será um daqueles que sempre vão emergir nas conversas de bar, gostando-se dele ou não. Sadismo, simbolismos, misoginia, mutilação de genitais e animais falantes, está tudo lá. E o caos reina!

Bastardos Inglórios (Inglorious Basterds), de Quentin Tarantino
Dia(s) 08/04, 17/04, 26/04
Quinta, às 14h; Sábado, às 21h30 e segunda, às 14h


Esse é o filme que o Tarantino dizia que ia fazer desde o final da década de 90 e virada dos anos 2000, deixando ansiosos os leitores da extinta revista Herói. Lá atrás, seu elenco dos sonhos reuniria a santíssima trindade dos filmes de ação Sylvester Stallone, Arnold Schwarzenegger e Bruce Willis (porque convenhamos, o Van Damme nunca engrenou de vez em Hollywood). Quase dez anos depois, Brad Pitt encabeça o grupo de soldados judeus americanos que aterroriza toda a comunidade militar alemã. Some a isso um outro núcleo do filme, uma história de vingança e a longuíssima (e tensa) sequência do bar e temos tudo o que os adoradores do diretor queriam: um tipo de “e se Tarantino decidisse o fim da guerra?”. O final do filme, que mais parece um orgasmo do próprio Tarantino, é um misto dos aspectos que marcaram sua carreira, e um sinal de que, assim como outros, Tarantino vem se tornando um refém de sua própria cinematografia. Bastardos não é fodido, mas é mais um exemplar de filme-pra-se-discutir-a-partir-da-segunda-cerveja, e convenhamos, isso hoje em dia já diz muito.

É Proibido Fumar, de Anna Muylaert
Dia(s) 08/04, 17/04, 23/04
Quinta, às 17h; Sábado, às 17h e sexta, às 21h30

No segundo longa da diretora de Durval Discos (que eu não vi, mas que por algum motivo me traz sempre à lembrança o Alta Fidelidade, apesar de me dizerem que os dois não tem nada a ver), dois quarentões de nome Max e Baby (Paulo Miklos e Glória Pires, e que deveriam se chamar anacrônicos) começam a se envolver num romance que parecia ser a salvação de suas vidas. Mas há reviravoltas. Bom, isso explica bastante o filme, mas não porque seja mais um representante de algum gênero romântico, mas porque realmente há reviravoltas no filme. O que também não quer dizer que isso seja bom. Ficou a tentativa.

Se Nada Mais Der Certo, José Eduardo Belmonte
Dia(s) 08/04, 16/04, 21/04
Quinta, às 21h30; Sexta, às 14h e quarta, às 21h30  

Se nada mais der errado, minha intenção é dedicar um post só para esse filme. Sim, ele é bom e eu gostei muito.

A Festa da Menina Morta
Dia(s) 09/04, 15/04, 25/04
Sexta, às 21h30; Quinta, às 21h30 e domingo, às 19h

Escrevia sobre esse filme aqui. E continuo não gostando...
É, eu também não gostei do texto...

Abraços Partidos (Los Abrazos Rotos), de Pedro Almodóvar
Dia(s) 09/04, 21/04, 25/04
Sexta, às 14h; Quarta, às 19h e domingo, às 14h

Um diretor de cinema se apaixona pela atriz principal de seu filme, que é casada com o principal financiador. Catorze anos depois esse mesmo diretor, agora cego, ganha a vida escrevendo e vendendo roteiros, assinando Harry Caine, porque seu nome verdadeiro, Matteo Blanco, morreu há catorze anos (?!). Achou estranho? Nem é tanto. Dizem que é um Almodóvar menor, pejorativamente mais preguiçoso. Gostei bastante de Volver, mas não sou um conhecedor do diretor. Além do citado, não gostei muito dos outros que vi. Esse Abraços... fica no meio do caminho. O visual do filme é fascinante e Penélope Cruz de Audrey Hepburn é mais ainda. As famosas cores do diretor estão todas lá, só que talvez um pouco mais sombrias. E tem a metalinguagem, provavelmente a grande qualidade do filme. Mas um Almodóvar fazendo metalinguagem pode ser um pouco demais. É auto-referência demais...

Simonal – Ninguém Sabe o Duro Que Eu Dei, de Cláudio Manoel, Micael Langer, Calvito Leal
Dia(s) 09/04, 28/04
Sexta, às 17h e quarta, às 17h

Não consegui  ver, mas deixo as datas.

Valsa com Bashir (Waltz with Bashir), de Ari Folman
Dia(s) 09/04, 24/04, 28/04
Sexta, às 19h; Sábado, às 14 h e quarta, às 14h

O diretor Ari Folman conta sua busca pela memória perdida após a Primeira Guerra do Líbano, nos anos 80, e faz isso usando uma técnica de animação de visual impressionante. O pesadelo da praia é de deixar o queixo caído. E me deu muito sono também.

Cidadão Boilesen, de Chaim Litewski
Dia(s) 10/04, 19/04
Sábado e segunda, às 17h


Desejo e Perigo (Se, Jie / Lust, Caution), de Ang Lee
Dia(s) 10/04, 13/04
Sábado, às 21h30 e terça, às 14h


Ang Lee gosta de uma boa novela, um melodrama de ponta. Tenho essa impressão em quase todos os seus trabalhos que assisti. Este Desejo e Perigo não foge a regra, mas tem algo a mais que faz bastante diferença. Na década de 40, uma jovem integrante da resistência se aproxima de homem importante do alto escalão para tentar assassiná-lo. Mas a forte segurança ao redor do homem, aliados à própria postura rígida e inalterável dele levam a garota a buscar no mais profgundo de si mesma os meios para furar esse bloqueio. Claro que eles acabam se envolvendo. As famosas cenas de sexo nem são lá tão impressionantes assim (o alvoroço que causaram nos festivais não eram pra tanto, como geralmente nunca é). Quando assisti ao trailer do filme, pensei que Ang Lee estaria dando uma de Wong Kar Wai, ainda mais com Tony Leung (espetacular no filme) no seu elenco. Mas não, ainda que seja melhor que suas últimas produções, essa volta as origens ainda é a boa e velha novela Ang "Leeana".


500 Dias Com Ela (500 Days of Summer), de Marc Webb
Dia(s) 12/04, 18/04
Segunda e domingo , às 17h


Rapaz e garota se apaixonam, vivem um relacionamento e terminam. A velha história da humanidade. O que torna então esse filme diferente? Aqui, é ele quem acredita no amor, não ela, que faz questão de deixar claro que tal coisa não existe. Tudo bem, é possível que também já tenhamos visto isso em algum lugar. O que sobra então no filme do diretor Marc Webb (famoso por seus videoclipes e o novo responsável pela franquia do Homem-Aranha no cinema) é uma edição bem esperta (a cena musical é ótima) conduzida por uma mais espertíssima trilha sonora. Some-se a isso seus dois protagonistas. É impossível não simpatizar com o personagem de Joseph Gordon-Levitt ou não se apaixonar porZooey Deschanel. Usar There Is a Light That Never Goes Out, dos Smiths, é uma boa sacada, ainda mais sendo a banda um dos porta-vozes dos sentimentos de paixão e desilusão juvenis. Mas isso também cria um problema, na medida em que às vezes tudo soa ingenuo e juvenil até demais. É muito fácil gostar do filme pelo seu visual moderno, mas se fosse para sugerir um filme de dor-de-cotovelo de nós homens, prefiro Prova de Amor, de David Gordon Green (por coincidência, com a mesma Deschanel arrasando outro coração). É menos oportunista. É mais duro, e por isso mesmo, mais real.


Avatar, de James CameromDia(s) 12/04, 22/04, 26/04
Segunda, às 14h; Quinta, às 14h e segunda, às 21h30


Um trabalho técnico refinadíssimo, divisor mesmo de águas quanto ao uso da tecnologia no cinema, frutos de um trabalho quase obssessivo de Camerom. Uma história batida, que utiliza o mito do herói entre outras coisas, mas que nem por isso desqualificam o empenho do trabalho visual. Smurfgs gigantes se encontram com Dança Com Lobos. O que dizer mais sobre o filme sobre o qual todos já disseram demais?


Moscou, de Eduardo Coutinho
Dia(s) 12/04, 29/04
Segunda, às 19h e quinta, às 14h


Não consegui assistir a esse documentário do Coutinho, mas, ao que parece, ele continua as experimentações que começou em Jogo de Cena. Mas só por ser um filme dele, já valeria a conferida.

Zico na Rede, de Paulo Roscio
Dia(s) 12/04, 27/04
Segunda, às 21h30 e terça, às 17h

Não assisti a esse doc sobre o Galinho Zico e suas proezas nos tempos de Flamengo.


Hotel Atlântico, de Suzana Amaral
Dia(s) 13/04, 23/04
Terça, às 17h e sexta, às 19h


Se o trailer de Desejo e Perigo dava a impressão de que Ang Lee foi beber da água de Wong Kar Wai, o desse Hotel Atlântico quase me fez pensar que a octogenária Suzana Amaral tinha adorado Cão Sem Dono, de Beto Brant. A presença de Julio Andrade como protagonista só reforçavam essa idéia (assim como a de Tony Leung no filme de Lee). Engraçado como os dois filmes são inferiores as obras as que comparei. Gosto de filmes que vão do nada a lugar nenhum, só não gosto quando pretensão é vendida como análise. E esse é um filme pretencioso, muito menor do que julga ser. Filme para chatos. Ou isso, ou vai ver eu não entendi nada mesmo.



Apenas o Fim, de Matheus Souza
Dia(s) 15/04, 20/04
Quinta, às 17h e terça, às 17h

Escrevi sobre esse filme aqui.

Milk – A Voz da Igualdade (Milk), de Gus Van Sant
Dia(s) 15/04, 18/04
Quinta, às 14h e domingo, às 19h

Sean Penn vive um momento da trajetória de Harvey Milk, que nos anos 70 se tornou o primeiro gay assumido a ser eleito para um cargo político. Com boas atuações, mas nada mais do que isso, ganhou o Oscar de melhor roteiro e tirou de Mickey Rourke e seu O Lutador o de melhor ator (e o próprio Penn percebeu isso). Gus Van Sant volta à um tipo de filme mais “convencional”, menos experimental, na verdade, segue a cartilha até demais. Ao menos escolheu um período específico ao invés de uma biografia que só reforçasse algum mito. Não faz muito diferença esperar para ver na TV.

Polícia, adjetivo (Politist, adjetiv), de Corneliu Porumboiu
Dia(s) 10/04, 15/04, 26/04 
Sábado, às 19h; Quinta, às 19h e segunda, às 17h

Tentei ver na Mostra e quando estreou, não consegui e perigo não conseguir ver de novo. Mas sempre há a internet (será que deveria ter escrito isso?). A sinopse é bem interessante.


A Partida (Okuribito), de Yojiro Takita
 Dia(s) 16/04, 20/04
Sexta, às 19h e terça, às 21h30

A surpresa vencedora do Oscar de Melhor Filme estrangeiro do ano passado nem é tanto assim (por isso a surpresa geral na época), mas que não é ruim de maneira alguma. Rapaz quer ser violoncelista profissional, mas quando tudo parece que se encaminha bem, a orquestra na qual trabalha se dissolve e ele decide retornar com a esposa para sua cidade natal, começando um novo emprego nada convencional, ao menos aos olhos ocidentais. Começa a ajudar um senhor a “preparar mortos”, espécie de agente funerário de beleza. Eles banham, trocam as roupas, dão à pessoa que acaba de morrer o visual mais belo e leve que conseguem, tudo isso feito num ritual lento, de paciência, respeito e compaixão. O filme se desenvolve devagar, até por conta do ritual de preparação, que é o grande centro do filme. Imagens bonitas, belos enquadramentos, canção tocante, está tudo lá, bem tradicional, bem japonês (sem nenhum sentido pejorativo), mas o filme às vezes parece destoar um pouco da realidade. Aquela ideia de um Japão que vive em conflito entre o moderno e o tradicional não funciona mais há algum tempo, e se um cara tocando violoncelo na beira de um penhasco parece uma ideia ultrapassada demais, brega até, imagine ver uma imagem assim hoje em dia. É confundir tradição com anacronismo.


Divã, de José Alvarenga Jr.
Dia(s) 16/04, 22/04
Sexta, às 21h30 e quinta, às 17h

Enfim...


Gran Torino, de Clint Eastwood
Dia(s) 16/04, 20/04, 28/04 
Sexta, às 17h; Terça, às 14h e quarta, às 21h30

Eastwood vive aqui Walt Kowalski, aposentado que trabalhava na indústria automobilística e lutou na Guerra da Coréia, ou seja, o velho durão, conservador, patriota, somados os atributos dos personagens que Clint se acostumou a interpretar nos últimos anos, ranzinzas e inflexíveis. Mas, mesmo com todo o preconceito, acaba se aproximando dos vizinhos, uma família de imigrantes asiáticos, e, da amizade que surge entre ele e um jovem dessa família, Eastwood trabalha os temas que lhe são caros como ética, moral e compaixão pelo ser humano. Numa espécie de despedida desse tipo de personagem (é como se estivéssemos diante de um Dirty Harry no fim da vida), o diretor faz um epílogo para seus anti-heróis, assim como já o fizera no belíssimo Os Imperdoáveis. E o melhor é que ele tem total consciência do passar do tempo e das consequências disso, pois, entre um Indiana Jones que já passa dos sessenta e tenta esconder a falta de fôlego e um velho Dirty Harry que já passa dos 80 mas respeita nossa inteligência como espectadores, vou sempre escolher o bom e velho (mestre?) Clint, mesmo que ele às vezes parece classicista demais.

Loki - Arnaldo Batista, de Paulo Henrique Fontenelle
Dia(s) 18/04, 21/04 
Domingo, às 21h30 e quarta, às 17h

Documentário sobre o excêntrico e genial integrante dos Mutantes.

A Era do Gelo 3 (Ice Age: Dan of the Dinaossaurs), de Carlos Saldanha
Dia(s) 11/04, 17/04, 25/04
Domingo, às 14h; Sábado, às 14h e domingo, às 17h

Terceira parte da série do diretor brasileiro que já pareceu perder o fôlego na segunda. Não vi, mas passou pelos cinemas em versão 3D.

Up – Altas Aventuras (Up), de Peter Docter
Dia(s) 10/04, 18/04, 24/04
Sábado e domingo, às 14h e sábado, às 17h

Até a metade de Up, eu não conseguia parar de me perguntar como a Pixar conseguia fazer aquilo, como seria nunca errar feio? O filme é ótimo até a metade, quando cai um pouco, mas mesmo assim, nunca é ruim. Foi assim também com outros (poucos) filmes como Vida de Inseto, Carros e, numa opinião particular, Ratatouille, os quais o único problema era serem “apenas” bons filmes. Após a morte da esposa, o velho Carl decide realizar o sonho dela (e não perder a casa de bandeja) e a enche de balões, voando até um local perdido na América do Sul. Ele só não contava com a presença do pequeno Russel, garotinho que reflete muito do que era o próprio Carl em sua juventude. Bastante melancólico em muitos momentos, o filme é colorido e os personagens são simpáticos, mas a história arrasta um pouco na segunda metade, e só reforça a impressão de que Wall-E era uma obra-prima do cinema. O alarde ao redor de Up parece só uma desculpa pelo descaso com a produção anterior, mais ou menos o que Avatar significa para O Cavaleiro das Trevas.

Besouro, de João Daniel Tikomiroff
Dia(s) 19/04, 27/04
Segunda, às 21h30 e terça, às 19h

No recôncavo baiano do início do século passado, a lenda do capoeirista, que, dizem, de tão bom era capaz de voar. Alguns bons momentos de lutas bem coreografadas, mas há algo de errado nos corpos bonitos e sempre milimetricamente suados dos negros, e o que deveria transparecer sensualidade, não passa de uma enxurrada de estereótipos, fora o clímax que se anuncia desde o início, e que nunca chega. Uma amiga achou que a intenção era essa mesma. É uma possibilidade...

A Onda (Die Welle), de Dennis Gansel
Dia(s) 13/04, 19/04
Terça, às 19h e segunda, às 19h

Para tentar ilustrar melhor aos seus alunos como foi possível a aceitação do nazismo na Alemanha, professor institui um regime semelhante dentro da sala de aula, criando um micro universo que logo sai do controle e toma proporções perigosas. É um filme denso, sério, não só pelo tema nem por ser um filme alemão, mas pelo próprio exercício de tentar entender o nazismo (ou mesmo outros regimes autoritários) dentro da sociedade e como isso talvez pudesse ter acontecido em qualquer lugar, o que de fato aconteceu, mudando-se alguns nomes e particularidades. Um filme a ser revisto mais algumas vezes, e, se possível, discutido bastante.

Entre Os Muros da Escola (Entre les murs), de Laurent Cantet
Dia(s) 19/04, 27/04
Segunda, às 14h e terça, às 21h30

Escrevi sobre o filme aqui.

Deixa Ela Entrar (Lat den räte komma in / Let the Right One In), de Thomas Alfredson

Dia(s) 11/04, 20/04, 23/04
Domingo, às 19h; Terça, às 19h e sexta, às 14h

Outro que em breve deve ganhar um texto próprio.


Lua Nova (New Moon), de Chris Weitz
Dia(s) 11/04, 21/04, 24/04
Domingo, às 21h30; Quarta, às 14h e sábado, às 21h30

Bons tempos em que vampiros não eram criaturas castas. Me recuso a ver.

Ervas Daninhas (Les Herbes Folles), de Alain Resnais
Dia(s) 14/04, 22/04
Quarta e quinta, às 21h30

Com mais de oitenta, mas com fôlego de garoto, o nome de Resnais ainda soa forte no cinema mundial, mesmo que Medos Privados Em Lugares Públicos dê sono. Não vi este, mas é bem recomendado.

Julie & Julia, de Nora Ephron
Dia(s) 14/04, 22/04
Quarta, às 14h e quinta , às 19h

Último da diretora que é especialista em comédias-românticas-para-mulheres-que-ainda-acreditam-em-contos-de-fada.

Jean Charles, de Henrique Goldman
Dia(s) 11/04, 23/04
Domingo, às 17h e sexta, às 17h

O onipresente Selton Mello vive Jean Charles de Menezes, que em 2005 foi assassinado pelo serviço secreto britânico ao ser confundido com um terrorista. Com um elenco de não-atores recrutados entre os brasileiros que residem em Londres (alguns conviveram com o próprio Jean Charles), o filme peca por alguns defeitos técnicos, principalmente o som, e a diferença entre o elenco profissional e o amador comprometem demais a fluência do filme, devido a um naturalismo que nunca é atingido de fato. Mas Vanessa Giácomo está muito bem, só não é mesmo melhor do que Selton Mello, que deixa um pouco de lado alguns maneirismos costumeiros, talvez porque, de acordo com o próprio ator, passava por um momento de fortes indecisões e uma depressão profunda durante as gravações do longa, em Londres.

À Deriva, de Heitor Dhalia
Dia(s) 14/04, 24/04, 29/04
Quarta, às 19h; Sábado, às 19h; Quinta, às 21h30

Nina tinha uma primeira metade promissora, mas se perdia assim como sua protagonista no final do filme. O Cheiro do Ralo, de tão “cool” que queria ser, morria na praia, mas com certeza não na mesma praia deste À Deriva. Nessa praia, menina de classe média alta está de férias com sua família perfeita, com amigos perfeitos, com os hormônios a flor da pele e as descobertas da adolescência, mas não tardará a descobrir as durezas da vida, como a família que na verdade está a um fio de se estilhaçar, ou as desilusões amorosas. A velha história de crescimento, rito de passagem para a vida adulta, ou algo próximo disso. Nada contra o tema. Há excelentes exemplos desse tipo de filme. O problema do filme de Dhalia é que ele mostra isso muito plasticamente. Tudo é bonito demais, os cenários, os enquadramentos, a praia, as pessoas. Típico filme feito para ser mostrado em festivais internacionais, como na Cannes onde foi apresentado pela primeira vez. Ou seja, reflexão para burguês ver. Foi a terceira chance que dei, e Dhalia ainda não me convenceu.

A Erva do Rato, de Júlio Bressane
Dia(s) 26/04, 29/04
Segunda e quinta, às 19h


No Meu Lugar, de Eduardo Valente
Dia(s) 13/04, 28/04
Terça, às 21h30 e quarta, às 19h

Filme de estréia do respeitável crítico Eduardo Valente, um dos responsáveis pela Revista Cinética, obrigatório para quem gosta de ler sobre filmes.

terça-feira, 30 de março de 2010

Amigo é pra isso mesmo

Amigo e pra isso mesmo

Amantes, de James Gray

* O filme foi visto em 2009.






Na primeira cena de Amantes, filme mais recente de James Gray, vemos Leonard (Joaquim Phoenix) numa tentativa de suicídio. A cena não só é bela plasticamente (o movimento suave da câmera e as imagens filmadas em scope) como dá o tom do resto do filme. Gray tem um jeitão de esteta, um artesão herdeiro da Era de Ouro do cinema americano. Como apontam muitos críticos, seu equivalente no cinema atual é ninguém menos que uma das entidades sagradas de Hollywood: Clint Eastwood. Para quem está acostumado à filmografia do eterno Dirty Harry (principalmente a recente, década de 00), deve perceber que, seja quando acerta em filmes sobre reflexões profundas no interior humano como em Sobre Meninos e Lobos ou Gran Torino, ou quando escorrega em dramas insossos como A Conquista da Honra e A Troca, Eastwood filma como se estivesse em meio à produção dos Houston e Hawks da vida, ou mesmo de seus dois grandes mentores: Don Siegel e Sergio Leone. Se não fosse bem mais novo e não estivesse apenas em seu quarto filme, seria possível pensar que Gray sofre mesmo do mesmo “mal” de Clint.
Leonard vive com os pais, ajudando-os em seu negócio de lavanderia. Mas sua estadia não é opcional e a tentativa de suicídio do início não foi gratuita. Logo descobrimos que não foi a primeira vez que ele tenta isso e que sofre de problemas emocionais. Os pais tentam ajudar o filho apresentando-o à Sandra (Vinessa Shaw), moça de boa e rica família, o que também os ajudaria, pois o pai da moça está interessado em comprar a lavanderia, além de garantir um bom lugar para Leonard em sua empresa como uma forma do rapaz garantir alguma estabilidade na vida.
Ao mesmo tempo, Leonard conhece Michelle (Gwyneth Paltrow), uma nova vizinha com a qual também consegue se comunicar pela janela de seu quarto. Não tarda para que ele se veja dividido entre a aventura que a moça linda, extrovertida e menos culta poderia oferecer e a segurança e proteção que a tímida menina rica traria para sua vida. E se para o sensível Leonard isso já seria conflito suficiente, soma-se os fatos de que Michelle namora um cara casado que vive a iludi - lá e que o casamento com Sandra também ajudaria seus pais, o que o coloca numa posição de obrigação.
 O que poderia terminar num melodrama típico se revela num poderoso (e doloroso) exemplar de história de amadurecimento e autoconhecimento, menos em relação ao que se é, mas mais a que atitudes tomamos ao percebermos que, afinal, não existem contos de fadas. E aqui a atuação de Phoenix se faz essencial à orquestra de Gray (não por coincidência, a opera é trilha frequente do filme).
Num primeiro momento e, principalmente, quando não consegue deixar de se apaixonar pela menina-maluca, Leonard mais parece um menino mimado. Na verdade ele o é, mesmo quando descobrimos o verdadeiro motivo de sua tristeza. O contraste entre a tentativa de parecer mais cool para Michelle e a segurança com que se aproveita dos sentimentos de Sandra ressaltam não só sua imaturidade, mas sua própria indecisão em relação à vida, de quem quer ser e como quer agir.
Esse é de longe o melhor trabalho de Phoenix, que depois pirou e largou o cinema para tentar emplacar uma bizarra carreira como cantor de Hip Hop (difícil não rir e se questionar sobre a “cena do rap” que Leonard protagoniza no carro, que foi filmada muito tempo antes da piração do ator). Há excelência em seus olhares, na postura de constante incomodo, nos pequenos detalhes de suas expressões. Exemplar é quando ele descobre sobre o namorado de Michelle, tendo que engolir a tristeza para continuar sendo o ombro amigo da garota.  
James Gray fez em Amantes o cinema do não-dito, da não-palavra, e diretamente faz um jogo entre imagem e o olhar, porque não faltam momentos em que só entendemos o que está de fato acontecendo se prestamos atenção aos olhares dos personagens. Há o olhar voyeur da janela de Leonard (que se faz também o nosso olhar, pois sempre estaremos no ponto de vista dele, nunca dela, que continuará “acima” de tudo). Há a esperança nos olhos do pai e há ternura nos olhos da noiva, mas há olhares que fazem de Amantes um grande filme: o desconcertante olhar de melancólica compreensão da mãe em um momento chave do clímax, e outro olhar que se repete em dois momentos distintos: de Michelle quando transa com Leonard no telhado e o de Leonard, no último instante do filme. Um olhar que parece dizer “não me julguem, essa é a única saída. Vocês viram tudo o que aconteceu”. Pesado porque somos cúmplices de tudo e, assim como os personagens, não temos certeza se as decisões foram corretas.
Mas não haveria mesmo outra forma de terminar o filme. Como um maestro, Gray regeu sua obra com obsessiva finura e o tempo todo pediu nossa atenção. Àqueles que conseguiram manter o exercício durante toda a projeção, o final aberto não significa menos do que um imenso respeito à inteligência do espectador, tal qual o fazia aqueles mestres do cinema nos quais o diretor costuma se inspirar. Bom trabalho James Gray.

sexta-feira, 19 de março de 2010

Um novo exercício

A partir de hoje, semanalmente começarei a postar alguns exercícios de tiras em quadrinhos.

Segue o primeiro.

O Velho Inacio

terça-feira, 30 de junho de 2009

Onde? Quem? Quando?

Há algumas semanas, o site da Revista Bravo! publicou um artigo a respeito de uma nova leva de cineastas que têm surgido, mais ou menos no mesmo período. A reportagem exaltava os realizadores, comparando-os aos cineastas da Nouvelle Vague, movimento do cinema francês da virada da década de 50 para 60, que influenciou de uma ou outra maneira várias gerações posteriores e que tinha em seu plantel principal François Truffaut, Jean-Luc Godard, Claude Chabrol, Eric Rohmer e Jacques Rivette.
Contudo, qual não foi meu espanto em, ao navegar pelo site Cinética, o qual costumo "frequentar", não encontro uma resposta assinada por Cléber Eduardo e Eduardo Valente à Bravo! que corrigi "alguns" erros cometidos na reportagem.
Por hora, reproduzo o texto da Bravo! (e peço a todos para seguirem o link para conferir as imagens) e a seguir a resposta dos editores da Cinética, mas adianto que é um assunto de extrema importância, principalmente para jornalistas e "aspirantes a".

Texto da Bravo!.


Nouvelle Vague Brasileira

 Uma geração de jovens diretores renova a maneira de fazer filmes no país ao se espelhar nos cineastas franceses que começaram como críticos na revista “Cahiers du Cinéma”, nos anos 60



Por Caroline Rodrigues
Jean-Luc Godard disse certa vez que filmava para escrever e escrevia para filmar. A frase do diretor francês se explica: antes de criarem a Nouvelle Vague ("nova onda"), cineastas como François Truffaut, Eric Rohmer, Claude Chabrol e Alain Resnais, além do próprio Godard, eram críticos da revista Cahiers du Cinéma. A revolução promovida pelo movimento, surgido em 1959 com a estreia do filme Os Incompreendidos, de Truffaut, deriva, em grande parte, da origem de seus integrantes: para o grupo, era urgente vincular pensamento à imagem cinematográfica, de modo a subverter as regras da indústria do cinema e da narrativa clássica. Na Nouvelle Vague, as imagens são reflexivas.
Cinquenta anos depois, algo semelhante ocorre no Brasil. Críticos das revistas virtuais Contracampo e Cinética, oriundos da Universidade Federal Fluminense (UFF), do Rio de Janeiro, começam a desenhar uma geração do cinema brasileiro. Nomes como Eduardo Valente, Cléber Eduardo, Ilana Feldman, Daniel Caetano, Luiz Carlos Oliveira Jr. e Felipe Bragança. Na definição de Valente, eles fazem parte da "missão carioca", que tem como características a defesa das produções de baixo orçamento, o experimentalismo de linguagem e a criação coletiva. Ao mesmo tempo em que refletem sobre quase toda a produção mundial — estrangeiros, independentes ou vinculados à indústria —, procuram colocar suas ideias em prática, por trás das câmeras, algo próximo ao que fizeram os franceses.
Essa história começa em 2000, quando Eduardo Valente, professor de cinema da UFF, convidou o aluno Felipe Bragança para escrever na Contracampo, criada por ele, Valente, e pelo jornalista e pesquisador Ruy Garnier em 1998. Era um projeto pequeno, com a intenção de transformar uma "paixão pelo cinema" em textos críticos de ponta. Contando com recursos do Fundo Nacional de Cultura do MinC, a revista defende o cinema que não se submete às regras e à linguagem do mundo comercial. A crítica independente também se caracterizaria dessa forma, disponibilizando online uma vasta reflexão sobre cinema.
A amizade e o trabalho conjunto conduziram o professor e o ex-aluno ao set de filmagem. Felipe (como roteirista) e Valente (como diretor) fizeram os curtas-metragens Um Sol Alaranjado (2001) e Castanho (2002). O primeiro foi considerado o melhor curta-metragem no Festival de Cannes de 2002. O prêmio foi um estímulo à realização de um longa-metragem e a garantia da estreia na França. Foi o que aconteceu no mês passado, em Cannes, que exibiu No Meu Lugar (2009), com direção de Valente e roteiro de Felipe. O filme vai estrear no Brasil em julho.
Considerando-se mais crítico do que cineasta, Valente diz que o filme nasceu de um desejo de falar algo íntimo e coletivo ao mesmo tempo: sua relação com o Rio de Janeiro, onde nasceu e vive até hoje. Seria uma forma de expor e se contrapor às visões do Rio estabelecidas no cinema de cinco anos para cá — que mostram uma cidade em guerra entre traficantes e policiais —, assunto amplamente comentado em seus textos. Partindo dessa temática, mas tentando mudar o foco, No Meu Lugar retrata o enlaçamento de personagens a partir da montagem de três tempos diferentes, na história de um trágico encontro entre um policial, um assaltante e seu refém, resultando na morte deste.
Felipe também acaba de estrear um longa como diretor, A Fuga da Mulher Gorila (2009), feito em parceria com Marina Meliande, outra ex-aluna da UFF. Em janeiro deste ano, o filme ganhou o prêmio do Júri da Crítica da Mostra de Cinema de Tiradentes, em Minas Gerais. A produção se pautou em um processo criativo muito curioso: a equipe conviveu por oito dias dentro de uma Kombi — casa e veículo da personagem mulher gorila e sua assistente. O filme, uma espécie de road movie sobre o subdesenvolvimento dessa arte performática meio circense, reflete o apreço pelo "cine-guerrilha", de baixíssimo orçamento e ousadia na linguagem, que Felipe defendeu em muitos textos de crítica.
Em 2006, Valente e Felipe trocaram a Contracampo pela Cinética, outra revista virtual que milita em defesa da produção independente, mas de forma menos acadêmica, com entrevistas com diretores antes do lançamento de seus filmes no circuito, agenda de cinema e cobertura de festivais, mesmo os grandes como o de Cannes — neste ano, feita por Eduardo Valente. Para a Cinética também foi, na ocasião, o casal Cléber Eduardo e Ilana Feldman, críticos que são parceiros de criação cinematográfica: ambos codirigiram os curtas Almas Passantes (2008) e Rosa e Benjamin (2009). Sobre a parceria, Ilana comenta: "É um exercício de diálogo, de negociação e de aprendizagem fantástico, além de tornar a criação e a reflexão territórios menos solitários".
Na Contracampo, a saída de Valente e Felipe foi compensada em parte pela chegada de Luiz Carlos Oliveira Jr., outro estudante da UFF. Em um polêmico texto publicado em março de 2009, A Publicidade Venceu, ele cobrou responsabilidade dos críticos com a formação de cinematografias mais artísticas e menos publicitárias, pedindo um papel mais ativo de quem reflete sobre cinema. "A diferença entre uma atividade e outra (o mero debate e a crítica responsável), assim como a diferença entre o cinema e a publicidade, é o que precisa urgentemente ser resgatado", diz no texto. Com esse posicionamento, dirigiu um curta-metragem, O Dia em que não Matei Bertrand (2008), baseado em um conto de seu escritor favorito, Sérgio Sant'Anna.
A QUESTÃO DA AUTORIA
Na UFF também surgiu Conceição — Autor Bom É Autor Morto (2007), dirigido por cinco alunos, entre eles Daniel Caetano, crítico tanto da Contracampo quanto da Cinética. Produção coletiva, o filme questiona a ideia tradicional de autoria no cinema, não só na forma de criação, mas também pela temática: as personagens, enfurecidas com seus autores representados na narrativa, os matam no bar onde tomam a fictícia cerveja Conceição, passando a inventar suas trajetórias.
Essa questão da autoria começou, justamente, na Nouvelle Vague, como forma de afirmar diretores que desejavam fazer cinema como expressão artística, fossem contemporâneos ao movimento ou mais antigos, pertencentes à indústria do cinema ou independentes. Criou-se na Cahiers du Cinéma a "política dos autores", uma estratégia cujos efeitos foram distorcidos mundo afora, fato admitido na década de 1980 pelos próprios críticos da revista. A distorção corresponde às tentativas de enquadrar, até hoje, o que seria um cinema de autor.
Eduardo Valente prefere o termo "cinema como arte", a fim de tirar a discussão do campo intelectual e transportá-la ao "lugar da paixão", que é, segundo ele, o que realmente interessa. Fazer cinema é, no caso do grupo carioca, um encontro entre amigos, Eduardo Valente e Felipe Bragança; entre um casal, Cléber Eduardo e Ilana Feldman; entre colegas de faculdade, Daniel Caetano e Luiz Carlos Oliveira Jr., que realizaram seus filmes com a participação da turma da UFF, codirigindo com Guilherme Sarmiento, André Sampaio, Cynthia Sims, Samantha Ribeiro e Ives Rosenfeld.
O que se pode notar, para além da autoria, são os diálogos entre textos e filmes. De Eduardo Valente destaca-se a busca incansável por virtudes nas atitudes humanas, não por falhas. Em cada filme que critica, ele procura um ponto para levar uma questão adiante; nenhum filme é perdido. Em seus curtas, gestos de afeto são destacados, como, por exemplo, em Um Sol Alaranjado, em que se veem os cuidados de uma mulher para com o pai doente. Felipe Bragança, por sua vez, transmite sua militância escrita pelo cinema jovem e independente para seu modo barato de produção, o "cinema de guerrilha".
O filme de Luiz Carlos baseado no conto de Sérgio Sant'Anna se destaca por câmeras estáticas e de longa duração, na observação aflitiva de um homem que se prepara para matar outro. Trata-se de um enquadramento que dialoga com o olhar do crítico, preciso e silencioso para observar cada detalhe do que se passa na cena, que, pela longa duração, se explicita em cada canto. Essa estética pode também ser encontrada nos curtas de Valente, no longa de Felipe e em Rosa e Benjamin, de Cléber e Ilana. Neste último, o casal de diretores cria outro casal, a ser observado na intimidade da rotina doméstica.
Cada um a seu modo, nos diferentes textos e filmes, esses críticos-cineastas são grandes estimuladores da produção experimental jovem e consolidam esse estímulo também por meio da participação em festivais, cineclubes e mostras, principalmente a de Tiradentes, da qual Valente, Cléber e Luiz Carlos são curadores. Todos eles, além disso, ou dão aulas em cursos de cinema ou fazem pós-graduação na área.
Assim, a paixão pelo cinema que a "missão carioca" cultiva equivale ao sentimento transformador dos participantes da Nouvelle Vague francesa. A cinefilia atua em suas vidas como combustível para expandir, cada vez mais, a reflexão em veículo de acesso gratuito, a exibição fora de circuito tradicional e a produção independente.


Resposta dos diretores


Nouvelle Vague Brasileira: Onde, quem, quando?
Na reportagem da Bravo, a enunciação se torna enunciado
por Cléber Eduardo e Eduardo Valente



Idéias só podem ser expressas em forma de idéias. Nos meios de comunicação, regidos, segundo Gilles Deleuze, pela reivindicação imperativa da crença em palavras e imagens como a verdade sobre algo, não existem idéias. Só há palavras de ordem clamando por crença. Deveríamos saber disso quando uma parte dos integrantes de Cinética aceitou ser transformada em personagem da revista Bravo. Pauta: os críticos cineastas.
Em uma reportagem sobre alguns desses críticos, a revista classifica o grupo como “Nouvelle Vague Brasileira”. Para justificar a analogia, comete-se erros não de idéias, mas de informações mesmo: falsas objetividades, com sentidos diversos. Afirma-se que Eduardo Valente foi professor de Felipe Bragança na UFF, quando sequer é (ou foi) professor nesta universidade. Ou que Daniel Caetano é "parceiro de trabalho nos sets" de Luiz Carlos Oliveira Jr, o que nunca ocorreu. E, se Cléber Eduardo e Ilana Feldman formam um casal, eles não se conheceram na UFF – onde Cléber nunca estudou, ao contrário do suposto pela Bravo. Trata-se de ficções nada baseadas em casos reais, jamais referidas na apuração pelos entrevistados. Logo entendemos que são relações criadas a fórceps para que a pauta faça sentido. Da mesma forma, é curioso que a matéria afirme uma "missão carioca", quando três dos seis entrevistados não só moram, como foram fotografados e entrevistados em São Paulo. Se Luiz Carlos e Ilana são cariocas de origem, Cléber é tão paulistano quanto se pode ser – ainda que, sabe-se lá como, seja botafoguense. Haveria vários outros exemplos a listar, mas fiquemos só com os mais gritantes.
Os erros de informação não ficam restritos, porém, ao nível biográfico de cada personagem da reportagem, e se aprofundam no nível das informações históricas. Alain Resnais é definido como parte da ala da Nouvelle Vague/Cahiers du Cinéma (a vertente dos críticos-cineastas), quando não exerceu atividade como crítico militante e, se pode ser considerado parte da cena da NV, não era próximo do mesmo grupo formado na revista. A reportagem parece ter confundido Resnais com Jacques Rivette, talvez o mais sólido dos críticos dessa geração e dos Cahiers nos anos 50-60, embora o menos conhecido pelo senso comum – mesmo o senso com lustro, como é o caso da Bravo. Da mesma forma, Agnès Varda, também contemporânea da Nouvelle Vague, nunca foi parte de deu núcleo duro, caso da turma dos Cahiers.
Não obstante os equívocos originais sobre quem são de fato os membros de cada grupo e como se dão suas relações, talvez a maior distorção venha mesmo da junção entre as partes. Na matéria, cada um dos personagens da reportagem aparece com um quadro onde se vê o rosto de um cineasta da Nouvelle Vague, como se cada cineasta francês nas mãos dos críticos brasileiros fosse seu ídolo, ou modelo a seguir; seus patronos ou paraninfos espirituais, digamos assim. No entanto, os personagens brasileiros da matéria, ao contrário da aparência criada pela enunciação (textos + fotos), não escolheram esses cineastas para segurar em suas mãos e, talvez, nem tenham intimidade maior com esses artistas – ao menos enquanto modelos, como imagens de determinadas “idéias e ideais” de cinema e crítica. Ao contrário: quando solicitados a segurar uma superfície transparente na sessão de fotos para a Bravo, foram informados textualmente que, naquele espaço quadrado, seriam projetadas imagens oriundas de seus próprios filmes. Nunca se falou numa centralidade da relação com a Nouvelle Vague – jamais no processo das fotos, mas também não na apuração, onde o movimento francês foi citado longinquamente. A pauta versaria sobre a especificidade dos filmes dirigidos pelos críticos, e da convivência num mesmo grupo entre diferentes atividades (crítica, realização, etc) do escopo cinematográfico.
Não sejamos puristas. É óbvia a possível aproximação acrítica entre um grupo de conhecidos que são críticos e realizadores de curtas ou longas e a liderança da Nouvelle Vague. Talvez haja o compartilhamento de uma idéia entre as partes – a do cinema como campo de reflexão e de expressão em sua forma crítica e por meio dos filmes -, mas para se chegar a uma justaposição trans-histórica, em nome de um slogan (Nouvelle Vague Brasileira), sem fundamentação possível, é preciso ignorar um abismo de diferenças de contexto nesse passo. Tanto a atuação dos críticos dos Cahiers nos anos 50 quanto seus filmes na Nouvelle Vague são especificidades de uma dada contingência histórica e cultural, na crítica e na realização, na França daquele pós-guerra, sem nenhum tipo de aproximação com as contingências, os ânimos e as ambições dos críticos e realizadores retratados na Bravo. Os franceses queriam reconfigurar o cinema francês dos anos 50 – e conseguiram em grande parte nos anos 60. Os críticos brasileiros que posam na foto da Bravo, nem isoladamente, nem como grupo, têm essa pretensão (ou as condições para exercê-la, se a tivessem).
Talvez nossas atividades sejam estreitas demais como alcance para figurar nas páginas da Bravo. Para justificar nossa presença lá, é preciso dar uma importância maior às nossas ações, nos classificar com um rótulo ao mesmo tempo nobre e banalizador – não apenas para a Nouvelle Vague, mas também para o grupo que, supostamente beneficiado com a etiqueta, acaba em um papel um tanto patético: o de uma turma de cinéfilos que se acha o próprio cinema. Menos, menos.
Para quem se relaciona com enunciações como sendo enunciados, o título de Nouvelle Vague Brasileira e as fotos dos cineastas nas mãos são mais que enunciações. Como efeito, são os próprios enunciados da reportagem. Para entendedor da comunicação, nós nos consideramos a NV versão BR, a NVBR, e nós nos comparamos aos cineastas das fotos. Eduardo Valente se acha Godard, Felipe Bragança se espelha em Truffaut, Daniel Caetano se considera Varda, Ilana Feldman tem parte com Chabrol, Cléber Eduardo ambiciona ser Resnais e o contracampista Luiz Carlos Oliveira é o próprio Rohmer. A enunciação que se torna enunciado.
Diante dessa lógica da comunicação, não das idéias, as citadas deformações no nível biográfico são de prejuízo menor. O que se torna uma questão, a ser colocada de forma direta, é uma outra coisa, anterior aos erros e aos equívocos: por que, afinal, aceitamos estar na Bravo? Para tentar expressar uma idéia em um espaço regido pelo imperativo da comunicação. Uma idéia de como agimos, como pensamos a crítica, o cinema, enfim, uma idéia de como nos pensamos. Para quê? Para ganhar visibilidade em um espaço com algum nível de legitimação, mesmo se um nível questionado por nós mesmos? Para fazer o quê com essa visibilidade e com essa suposta legitimidade? Haveria pragmatismo crítico nisso? Supondo que sim, outra pergunta: fazer o quê com essa rentabilidade da visibilidade? Que rentabilidade é essa? A que nos serve? Como nos serve?
Não podemos deixar de nos colocar essas perguntas se queremos de fato lidar com os efeitos das imagens. As imagens de nossas ações e de nossas idéias não são nossas ações e nossas idéias. São imagens. Elas dizem mais respeito a quem as veicula do que diz respeito a quem está supostamente veiculado. Quando somos imagens da Bravo, somos da Bravo, somos a própria Bravo. Não somos nossas imagens, nem as imagens são nossas, e isso não  pode ser ignorado. Por nós mesmos, em primeiro lugar.
Junho de 2009