quarta-feira, 26 de novembro de 2008

Considerações de um Noitão HSBC




Da Cama Para a Fama (Torremolinos 73)


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Produção espanhola de 2003 que conta a história de um vendedor de enciclopédias e sua esposa que, passando por uma crise financeira, acabam aceitando a inusitada proposta de seu chefe de filmar suas relações sexuais para um “estudo científico” que está sendo feito na... Escandinávia (??!!). A produção é charmosa e cativante em sua primeira metade. A absurda situação acaba transformando a vida do casal, que começa a ascender socialmente com o dinheiro ganho e a recuperar o ânimo já perdido com a rotina de tantos anos de casamento. Alfredo (Javier Cámara), inspirado por Ingmar Begman, vai descobrindo e experimentando pouco a pouca as nuances da linguagem cinematográfica (sim, ele faz isso em sues filmes pornô-amador... ou melhor, estudos científicos), chegando até a escrever um roteiro inspirado em O Sétimo Selo. Carmem (Candela Peña) faz emergir sua sensualidade adormecida, ainda que das maneiras mais estabanadas possíveis. Mas é o desejo desta de ser mãe que acaba conduzindo o filme para uma segunda parte que deixa cair bastante o ritmo até então constante e divertido. Apesar de tratar de questões interessantes nessa parte, como as imposições do chefe de Alfredo quanto às decisões finais de seus filmes, a produção oscila entre comédia e drama de maneira desequilibrada, e algumas conclusões acabam parecendo um tanto absurdas e contrastantes com o que havia se construído até então – mesmo com uma história tão improvável como essa -, e isso fica explícito, por exemplo, na solução para o desejo de Carmem. Mas mesmo com um final um pouco preguiçoso, esse Torremolinos 73 vale por sua divertida e inteligente primeira metade, boa o suficiente para nos manter até o final do filme a espera de mais uma boa sacada, mesmo que ela não venha.


Vicky Cristina Barcelona



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As duas amigas Vicky (Rebeca Hall) e Cristina (Scarlett Johansson) chegam a Barcelona com objetivos diferentes, mas que já refletem suas personalidades. Vicky está na viagem fazendo pesquisas para sua tese. Ela é prática, objetiva, centrada. Cristina está lá porque acabou um relacionamento e precisa de novos ares, de novas aventuras. Ela é impulsiva, instável, pseudo-artista. As duas são “opostos” que se entendem. Em determinado momento elas conhecem Juan Antonio (Javier Bardem), pintor charmoso, modelo de artista exótico latino que vive uma estranha relação de amor e ódio com sua ex-mulher e gênio-indomável Maria Elena (Penélope Cruz, linda, e reafirmando a teoria de que é uma atriz muito mais competente falando sua língua materna). Ah! , Vicky está noiva de um advogado certinho, mas fica balançada pelo pintor Juan Antonio, que se envolve com Cristina, que se envolve com Maria Elena, que se envolve com Juan Antonio... É assim, nessa mistura de personagens arquetípicos e das cores da Espanha que Woody Allen tece mais uma vez suas questões existenciais a respeito do amor e do sentido da vida. Mas dessa vez ele parece não utilizar apenas um alterego, como acontece em filmes nos quais não atua, mas divide suas neuroses em várias facetas, trabalhando os clichês ambulantes que são as personagens do filme em favor de determinada linha de pensamento. Allen parece estar mais tranqüilo com o fato de que algumas coisas na vida que não necessariamente necessitam de alguma razão para ser ou acontecer. Tranqüilidade que só poderia mesmo ter vindo com a idade e com a experiência de alguém que viveu a vida fazendo filmes como parte de sua terapia. Vicky Cristina Barcelona é um filme leve, seguro, gostoso de assistir, menos ambicioso do que as últimas e irregulares produções londrinas do diretor. Fica apenas um “porém” quanto ao final do filme: como tem acontecido com freqüência em mais e mais produções, ele aparece em forma de uma inconclusão um tanto quanto preguiçosa. Não chega a frustração sem vergonha que é o final de O Sonho de Cassandra, até porque o diretor nunca fecha seus filmes de maneira definitiva, mas para quem já ousou se despedir do público na companhia do fantasma de Humphrey Bogart (em Sonhos de um Sedutor), fazer com que tudo volte ao normal soa mais com “tirei o meu da reta”.



Rebobine, Por favor

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A fim de atualizar seus conhecimentos a respeito do atual mercado de locação de filmes, o dono de uma locadora (Danny Glover) deixa seu ajudante (Mos Def) tomando conta do local por alguns dias, deixando como única recomendação que ele não permita que seu amigo (Jack Black) chegue perto do lugar. Pois o pior acontece e o personagem de Black desmagnetiza acidentalmente todas as fitas do local. Utilizando uma técnica conhecida como “suecada”, os dois amigos reencenam os filmes em versões de mais ou menos vinte minutos e com os recursos disponíveis e logo fazem da velha locadora um sucesso novamente. Essa é o plot principal do novo filme do diretor Michel Gondry. Diretor de rara inventividade técnica, a história permite que Gondry exiba toda a sua capacidade inventiva como uma homenagem aos diversos “filmes sessão da tarde” que formaram muitas crianças e jovens entre a década de 80 e 90 e, possivelmente, aos pioneiros do primeiro cinema - quando a linguagem cinematográfica era somente um esboço inconsciente - e aos desbravadores do vídeo dos anos 80, aos quais o próprio Gondry deve bastante. Mas assim como em seu filme anterior The Science of Sleep, o diretor esbanja técnica, mas economiza em roteiro e, se antes ele ainda podia se apoiar no carisma de Stephane (Gael Garcia Bernal), aqui nem mesmo os simpáticos moradores do bairro da locadora salvam a fita da mediocridade. Se Woody Allen utilizou os clichês da melhor maneira possível em seu novo filme, Gondry escolheu o que há de pior, com um resultado pífio e muito, mas muito aquém do seu ainda melhor filme Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças. Se tantos anos na direção de excelentes videoclipes foram capazes de alimentar toda a sua imaginação, resultando numa sempre segura e corajosa condução das imagens, não custava nada ao diretor um pouco mais de modéstia e exercício de observação e estudo de roteiros (e olha que os roteiros de Charlie Kaufman não são pouca coisa). Talvez, inconscientemente, Gondry tenha tentado fazer também seu filme sessão da tarde. Diversão despretensiosa, criativa, com potencial “cult”. Só se esqueceu que o público dessa época também mudou, e que a cultura da nostalgia já passou da fase de celebrar os anos 80. E, além de parar no tempo, ainda colocou um rótulo na embalagem de seu produto escrito “descartável”. ;-)

segunda-feira, 10 de novembro de 2008

Cinema histórico em tempo real


Numa época de convergência de mídias em meios digitais, uma época pós-vanguardas, pós-moderna, digital, saturada de imagens e de extrema velocidade, como permanece o cinema como um dos alicerces da cultura da sociedade, e mais, como produzir imagens numa época onde já se viu de tudo e onde o espectador não mais pode ser um mero receptor de determinada informação? Qual é o audiovisual produzido no cinema do final do século XX e nesse início de século XXI?


A década de 90 chegou em meio a uma nova ordem, não só no que diz respeito a questões políticas, mas também a um novo cenário social e tecnológico. Após períodos conturbados, de disputas e conflitos, o homem do final do século finalmente gozava de certa liberdade de direção. Toda a tecnologia inventada, explorada e utilizada nas décadas anteriores agora caminhava por um percurso diferente, não tão centrado e de forma muito mais abrangente. Percurso este com uma nova característica que se mostrou essencial ao desenvolvimento dessa tecnologia: a convergência. Os meios de comunicação passaram a manter um contato mais freqüente entre si, trocando experiências e percebendo que muitas vezes o desenvolvimento de suas linguagens – e cada meio possui a sua linguagem específica – ocorria de forma paralela. E o cinema foi dentre esses meios o que mais transitou por outras formas de linguagens e, conseqüentemente, absorveu e as converteu para o seu próprio fim. E por mais estranha que possa parecer essa característica de absorção – isso se pensarmos na linguagem cinematográfica como uma das mais enraizadas dentro das linguagens de mídia comunicacional -, é ela também quem reafirma o poder do cinema em transformar o seu redor em matéria-prima essencial para seu desenvolvimento.


Ao longo do século XX, a importância e a utilização da imagem atingiram proporções nunca antes experimentadas. A imagem, que já ganhara um novo sentido e abrira novos horizontes com a fotografia, ganhava o mundo através do cinema, sendo utilizada tanto em fins meramente comerciais, como para propagar ideologias (vide filmes como O Triunfo da Vontade, de Leni Riefenstahl, O Encouraçado Potemkin, de Eisnstein ou Intolerância, de D. W. Griffith) e mesmo ditar a moda e os costumes de seu tempo. A televisão consolidou o fascínio do público pelo material audiovisual e, se num primeiro momento, procurava simular no lar a experiência do cinema, não tardou a encontrar seu espaço próprio, a ponto de fazer a produção cinematográfica repensar seu papel na indústria de entretenimento e seus fins. Se o cinema trouxe a projeção como uma das partes principais de seu aparato técnico, foi a transmissão na maquinaria televisual (a televisão e posteriormente o vídeo) que trouxeram novos aspectos a imagem, agora ao alcance de todos e em tempo real (Phillipe Dubois).


E é neste último ponto (o tempo real), que se estruturou o desenvolvimento dos meios e da cultura contemporânea. Pensar em tempo real nos remete à velocidade com a qual é transmitida determinada informação de sua fonte emissora até o seu receptor. Quando, num primeiro momento, a barreira da velocidade foi aparentemente quebrada pela emissão em cadeia global pela televisão e, posteriormente, pela conectividade da internet, a percepção do usuário começou a sofrer alterações. O advento de novos meios de comunicação assim como um freqüente uso da imagem (diretamente ligado a lógica capitalista e conseqüentemente, ao consumo de produtos e afins), provocaram no espectador uma vontade cada vez mais crescente de ingerir novas sensações. Paralelo a isso, o cinema foi sofrendo dentro de seu universo algumas divisões que iam desde interesses pessoais a curiosidade de se experimentar novas técnicas de linguagem.


A favor da já citada propagação da imagem por todos os cantos, um tipo de cinema se estabeleceu como modelo tanto para fins comerciais quanto forma de expressar a vontade das massas: o cinema de Hollywood. Cinema construído a base de estrelas (sejam atores, diretores, produtores, roteiristas, etc.), de grandes orçamentos, de grandes estúdios, de grandes bilheterias, de premiações, o cinema de Hollywood perpetuou o modo de vida norte-americano e veio de encontro à nova realidade do mundo pós-guerra, com seu país saindo como grande vencedor e modelo de prosperidade. E ainda que houvesse uma grande produção independente, voltada a fins mais próximos a verdadeira realidade do povo ou de maior alcance artístico (e havia mesmo algumas produções de grande porte também com esses fins), a grande indústria do cinema aos poucos popularizou um formato de fazer cinema que, em detrimento a qualidade (roteiro), abusava de elementos como a estética e a popularização de suas estrelas. Ao mesmo tempo em que o cinema de Hollywood construía suas bases (que vinha desde o cinema mudo, passando pela guerra e pelo pós-guerra, chegando aos chamados blockbusters na década de 70), em outras partes do mundo, mais especificamente na Europa, o cinema era experimentado de outras formas. Além da já oposição cultural do velho continente em relação à América, outro olhar predominava e se refletia diretamente na produção audiovisual. Na Rússia, Sergei Eisenstein e Dziga Vertov, foram pioneiros em repensar a construção da imagem em suas formas de montagem (e Einsestein levou a gramática cinematográfica proposta por Griffith a um novo patamar, com sua montagem intelectual). Os alemães não fizeram diferente com seu expressionismo, revelando as angústias do povo na construção de uma estética extremamente particular e que viria a influenciar em algum grau todas as gerações posteriores, sem se restringir apenas a Alemanha. Mas é no período pós-guerra e em suas décadas posteriores que essa produção cinematográfica atingiu graus nunca antes alcançados. Partindo, antes de qualquer coisa, de um retorno ao interior do homem, livre de qualquer intromissão externa provocada pela nova ordem social, política e econômica e pela lógica consumista e generalizante que ganhava cada vez mais força por todo o mundo (e essa busca por uma espécie de “pureza” foi presença constante no pensamento das vanguardas artísticas européias desde o início), novos “cinemas” foram emergindo por todos os lados, a começar pelo neo-realismo italiano. A saída do cineasta dos grandes estúdios, indo buscar seu material diretamente nas ruas das cidades devastadas (e aqui encontramos uma referência aos filmes de Vertov, ou mesmo podemos voltar ainda mais no tempo, até os filmes dos irmãos Lumière) trouxe uma nova dimensão à construção da imagem. Além disso, os teóricos e críticos de cinema resolveram fazer eles próprios seus filmes a fim de trabalhar a linguagem que por tanto tempo apenas “assistiram”. Desse tipo de movimento – influenciado pelo neo-realismo e por alguns filmes da era clássica de Hollywoood – nasceu a Novelle Vague francesa. Alan Resnais, Claude Chabrol, Eric Rohmer, François Truffaut, Jean-Luc Godard (especialmente Godard), entre outros, criaram uma nova forma de se fazer cinema. Um cinema a baixo custo, sem estrelas, autoral, de imagens com sentido e motivo de estar ali, com um trabalho sonoro específico e trabalhado (ou mesmo sem qualquer som), cinema de crítica e muitas vezes de homenagem ao próprio cinema. E sendo inspiração para outros cinemas, como o Cinema Novo, no Brasil. As conseqüências desse movimento podem ser encontradas já na década de 70, quando Jean-Luc Godard deu inicio a diversos experimentos com a imagem enquanto fazia parte do grupo Dziga Vertov (e posteriormente também).


Nesse momento, a sociedade passava por um conturbado período. A Guerra Fria e a corrida armamentista desenvolviam cada vez mais a tecnologia, que era repassada para os setores de consumo e transformada em eletrodomésticos. Desse momento advém o computador,construindo bases que permanecem até seu formato atual. As ditaduras espalhadas pelo mundo e alguns conflitos sem motivos reais ou específicos (como a guerra do Vietnã) geraram um novo censo crítico na população que, ainda que continuasse a consumir os produtos e absorver um sem fim de imagens publicitárias, começa a questionar sua postura de completa passividade. Pensando no que ocorreu com o cinema dos Estados Unidos, grande catalisador da cultura consumista, é nessa época que surgem cineastas que, assim como os franceses na Novelle Vague ou italianos neo-realistas, vão buscar um cinema mais autoral, um cinema de rua, de pessoas comuns, de marginalizados, de crítica. Surge Martin Scorcese, Francis Ford Copolla, Brian de Palma, John Cassavetes e Stanley Kubrick (que já ganharam seu espaço desde a década de 60) que, ainda que viessem a fazer parte dessa mesma indústria – e não é essa a grande iniciativa do sistema, absorver tudo o que o envolve? – criaram obras que eram verdadeiros estudos da sociedade americana. E o mesmo pode ser observado em outros locais do mundo. A Alemanha viu renascer seu cinema com cineastas como Win Wenders, Rainer Werner Fassbinder e Werner Herzog. Na Itália, já desde os anos cinqüenta e sessenta, Frederico Fellini e Michelangelo Antonioni eram os dois grandes exemplos do cinema pós-neo-realismo. Ingmar Bergman e seu cinema existencialista vinham da Suécia. Isso sem contar toda a história da cultura audiovisual do oriente, de nomes como Ozu e Kurosawa.


Mas a partir de meados da década de oitenta, a imagem audiovisual se transforma mais uma vez. É com o vídeo e seu fácil acesso aos seus realizadores, além de, num primeiro momento, ser a ponte entre cinema e televisão, podendo ser parte de ambos, que um novo tipo de experimentação começa a se dar no campo do audiovisual. Artistas, cineastas, videomakers, reformulam o papel do audiovisual eliminando a necessidade de um único meio específico de projeção e transmissão (vide as instalações), além de um novo mergulho à construção do conjunto de imagens e sons que não mais seguissem uma ordem linear, podendo ou não fazer algum sentido ao espectador - e nesse processo nasce a linguagem do videoclipe, preparando-nos definitivamente para a era digital e toda a velocidade dos meios de comunicação.


O cinema chega aos anos 2000 com uma infinidade de referências, tecnológicas e culturais que foram surgindo ao longo de quase um século. Não é de se espantar que esse cinema esteja agora diante de um novo público, acostumado a imagens de todos os tipos, sejam imagens sublimes ou cruéis; público que não mais se satisfaz com o passivo posto de espectador e necessita de alguma forma da chamada “interação” com a obra apresentada.


É na absorção do que acontecia ao seu redor que o cinema reforçou suas bases e foi capaz de sobreviver às transições enfrentadas pelo público e pelo próprio curso da história. Desde o início, é possível identificar em alguns cineastas a busca por algo que se aloja entre o aparato técnico e o material subjetivo dentro da construção das imagens que, possivelmente, contribuiu para que o cinema contemporâneo faça surgir no espectador uma nova sensação. Essa sensação não está ligada apenas a imagem, não está ligada apenas ao som, mais a uma simbiose perfeita entre esses dois elementos e o rico material exterior que percorre a sociedade, seja de natureza concreta ou subjetiva. E o resultado desse processo é um novo audiovisual dotado de possibilidades a serem desvendados não apenas a partir do aparelho visual, mas de toda a proporção no corpo humano e dentro de seu psicológico.

terça-feira, 4 de novembro de 2008

A Festa da Menina Morta




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Sempre estou disposto a conferir atores trocando seus papéis habituais e encarando a direção de um filme. É interessante a forma como se dá essa inversão de funções e como se constrói esse olhar que por tanto tempo era apenas paisagem. Vez em quando, as surpresas têm um sabor doce, em outros casos, um pouco azedo.


Infelizmente, A Festa da Menina Morta, primeiro filme dirigido pelo excelente ator Mateus Nachtergaele, fica com o segundo time.


Na história, um pequeno povoado da região do rio Amazonas se prepara para a comemoração da tal festa. Há vinte anos, uma menina morreu e nunca foi encontrada. Na época, uma sucessão de fatos levou as pessoas a acreditarem que Santinho (Daniel de Oliveira) pudesse realizar milagres e, a partir de então, além de se comemorar a data de aniversário da morte da menina, as pessoas vão até Santinho em busca de bênçãos, aconselhamentos, milagres. A história do filme é centrada nos dois dias de preparativos, tendo a festa como o clímax.



Como um bom ator, Mateus sabe extrair o que de há melhor em seus protagonistas. Daniel de Oliveira transita perfeitamente entre os extremos pelos quais percorrem as reações de Santinho. Os desconhecidos Juliano Cazarré (Tadeu, irmão da menina morta), Conceição Camarotti (Das Graças) e Ednelsa Sahdo (a Tia) não deixam por menos e compõem perfeitamente papéis de importância que orbitam ao redor da figura de Santinho. Mas se coordenando a função que o consagrou, o diretor exibe toda a experiência que adquiriu ao longo de sua carreira, na direção ele peca numa seqüência de equívocos que, não só prejudicam o ritmo do filme, mas apontam para certas manias de outras produções nacionais.

Se, num primeiro momento, os longos planos-seqüência dão maior destaque a atuação de seus atores, a sucessão eventual por planos-detalhes se evidencia totalmente desnecessária, e logo se percebe certa “lógica de montagem” com plano-seqüência/plano-detalhe/ plano-seqüência, chegando a cansar o espectador, tamanha a repetição. Se a intenção de Mateus era explorar “tempos mortos”, deveria ter investido um pouco mais no estudo de obras de cineastas que utilizaram o recurso a exaustão e com extrema excelência, como o mestre Antonioni. É provável que o problema de ritmo pudesse ser compensado se o roteiro fosse mais bem trabalhado. Se as imagens são construídas a passos de tartaruga (contribuindo para que a bela direção de fotografia de Lula Carvalho seja apreciada, mesma com a predominância de espaços interiores no filme), esse tempo parece não dar conta das informações que o espectador recebe do filme. Além de ter de remontar o quebra-cabeça que é a história da menina morta - que em momento algum é inteiramente esclarecida -, temos a crise de fé pela qual passa Tadeu, o crescente incomodo psicológico que Santinho vem sentindo em relação à lembrança de sua mãe, a relação incestuosa dele com seu pai (vivido por um subaproveitado Jackson Antunes), além da sugestão de histórias paralelas das tias que o diretor insinua, mas nunca leva a adiante. O pior fica para a rápida resolução dos conflitos, beirando a preguiça no caso de Tadeu e ao clichê dramalhão no caso da mãe de Santinho.



A Festa da Menina Morta, em toda a sua crueza de imagens e dureza de seus personagens, lembra o cinema de Cláudio Assis, com quem Mateus trabalhou em Amarelo Manga e Baixio das Bestas. Mas assim como os filmes do pernambucano, carece da falta de alguma coisa. Na esperança de apresentarem o ser - humano em toda a sua natureza imoral e irracional, levado apenas pelos desejos, esses filmes acabam num limbo de pretensão e vazio ideológico e, se por um lado ressaltam a evidente qualidade técnica da atual cinematografia nacional, por outro, simplesmente assumem a outra face da moeda cinema padrão / cinema marginal, reafirmando que o importante é “chocar” e ver como somos todos podres pó dentro. Ou seja, a mesma masturbação mental de sempre.

sábado, 1 de novembro de 2008

O balconista e a geração X



É provável que você já tenha ouvido por aí alguém dizer que hoje em dia a adolescência se estende até os trinta anos (e há quem diga quarenta). Eu mesmo vivo usando isso como desculpa para me redimir de eventuais futuros fracassos. Mas de onde surgiu essa idéia? Bom, eu não sei, mas encontro uma geração que viveu isso de maneira como nenhuma outra: a geração do início dos anos noventa. É ali, na década do pós-tudo (pós-guerra fria, pós-ditadura, pós-glam rock, pós-extravagâncias, pós-beatles, pós etc.), onde se bateu o martelo para o caminho da informatização digital e onde a globalização se estabeleceu de uma vez que os jovens adolescentes dos anos oitenta desembarcavam na idade adulta.

Kevin Smith era um desses jovens representantes da geração X quando, em 1994, lançou o seu O Balconista. O filme produzido com baixíssimo orçamento acabou recebendo prêmios em Sundance e em Cannes. Com isso, Smith deu início a uma série de filmes que contavam com o mesmo universo de personagens e que discutiam sobre os principais assuntos que permeavam a cabeça dessa geração: cultura pop, problemas com empregos, amigos, namoradas, futuro, sexo, quadrinhos, Star Wars (?!)... Nada muito diferente do que a geração atual discute, com uma ou outra alteração (troque Star Wars por algum Senhor dos Anéis ou Harry Potter, um grunge por um emo ou indie da vida e teremos um acordo).


No universo de filmes como Procura-se Amy, Barrados no Shopping ou Dogma, figuras outsiders transitavam dentro do limbo que é, para alguns, a idade dos vinte e poucos aos trinta anos, que refletia talvez a realidade de seus criadores.


Da grande leva de diretores independentes que emergiram nos Estados Unidos na década de noventa – Richard Linklater, Gus Van Sant, Todd Solondz, Jim Jarmusch (este já vinha se firmando desde a década de 80, com Estranhos no Paraíso ou Daubailó), Edward Burns, além do próprio Smith, para citar apenas alguns nomes – surgiram histórias de personagens que, de alguma forma, negavam-se a aceitar suas condições de mudanças e de assumir o controle de suas vidas. Presos a pensamentos de auto-depreciação, baixa auto-estima (vide Felicidade, de Solondz), dificuldades em assumir responsabilidades e deixar o apego às lembranças do passado, dificuldades de relacionamentos, esses personagens vagavam por aí, discutindo sobre assuntos banais, desses que passam por nossa cabeça numa longa viagem de ônibus no dia-a-dia. Utilizavam as formas mais absurdas possíveis para suprirem suas faltas ou saciarem seus desejos reprimidos em meio a uma década de transição, entre o fim e o começo de um novo século. Resumindo, eram personagens absurdamente ordinários e, exatamente por isso, humanos.


Em O Balconista 2 (2005), é curioso observar como Kevin Smith olha para seu universo dez anos depois, como um Deus que enxerga suas crias e como se intromete em seus destinos. Parece bem claro que o diretor percebe que sua geração recebeu uma espécie de prorrogação para sua adolescência, mas que esse tempo enfim passou e chegou a hora das escolhas serem feitas, seja para o bem ou para o mal, assim como seus personagens.


Agora, próximos dos quarenta anos (alguns mais, poucos menos, e outros que já ultrapassaram esta faixa), a geração X parece enfim encontrar um lugar para si, seja de maneira inquieta (Gus Van Sant tem Elefante, Last Days, Paranoid Park), inventiva (como o prolífico Richard Linklater de filmes tão dispares como Antes do Amanhecer, Escola do Rock e Scanner Darkly) e até desencanada, como os projetos recentes de Smith Menina dos Olhos, O Balconista 2 e Zack and Miri Make a Porno.



E ainda que a obra desses cineastas não traga mais a mesma dose de inventividade de tempos atrás, ela carrega um forte sentimento de honestidade daqueles que viveram seus anos como puderam, e aproveitaram o tempo extra que lhes foi concedido, mesmo que fosse para reclamar desse tempo e do fato dele ter que acabar.