terça-feira, 30 de março de 2010

Amigo é pra isso mesmo

Amigo e pra isso mesmo

Amantes, de James Gray

* O filme foi visto em 2009.






Na primeira cena de Amantes, filme mais recente de James Gray, vemos Leonard (Joaquim Phoenix) numa tentativa de suicídio. A cena não só é bela plasticamente (o movimento suave da câmera e as imagens filmadas em scope) como dá o tom do resto do filme. Gray tem um jeitão de esteta, um artesão herdeiro da Era de Ouro do cinema americano. Como apontam muitos críticos, seu equivalente no cinema atual é ninguém menos que uma das entidades sagradas de Hollywood: Clint Eastwood. Para quem está acostumado à filmografia do eterno Dirty Harry (principalmente a recente, década de 00), deve perceber que, seja quando acerta em filmes sobre reflexões profundas no interior humano como em Sobre Meninos e Lobos ou Gran Torino, ou quando escorrega em dramas insossos como A Conquista da Honra e A Troca, Eastwood filma como se estivesse em meio à produção dos Houston e Hawks da vida, ou mesmo de seus dois grandes mentores: Don Siegel e Sergio Leone. Se não fosse bem mais novo e não estivesse apenas em seu quarto filme, seria possível pensar que Gray sofre mesmo do mesmo “mal” de Clint.
Leonard vive com os pais, ajudando-os em seu negócio de lavanderia. Mas sua estadia não é opcional e a tentativa de suicídio do início não foi gratuita. Logo descobrimos que não foi a primeira vez que ele tenta isso e que sofre de problemas emocionais. Os pais tentam ajudar o filho apresentando-o à Sandra (Vinessa Shaw), moça de boa e rica família, o que também os ajudaria, pois o pai da moça está interessado em comprar a lavanderia, além de garantir um bom lugar para Leonard em sua empresa como uma forma do rapaz garantir alguma estabilidade na vida.
Ao mesmo tempo, Leonard conhece Michelle (Gwyneth Paltrow), uma nova vizinha com a qual também consegue se comunicar pela janela de seu quarto. Não tarda para que ele se veja dividido entre a aventura que a moça linda, extrovertida e menos culta poderia oferecer e a segurança e proteção que a tímida menina rica traria para sua vida. E se para o sensível Leonard isso já seria conflito suficiente, soma-se os fatos de que Michelle namora um cara casado que vive a iludi - lá e que o casamento com Sandra também ajudaria seus pais, o que o coloca numa posição de obrigação.
 O que poderia terminar num melodrama típico se revela num poderoso (e doloroso) exemplar de história de amadurecimento e autoconhecimento, menos em relação ao que se é, mas mais a que atitudes tomamos ao percebermos que, afinal, não existem contos de fadas. E aqui a atuação de Phoenix se faz essencial à orquestra de Gray (não por coincidência, a opera é trilha frequente do filme).
Num primeiro momento e, principalmente, quando não consegue deixar de se apaixonar pela menina-maluca, Leonard mais parece um menino mimado. Na verdade ele o é, mesmo quando descobrimos o verdadeiro motivo de sua tristeza. O contraste entre a tentativa de parecer mais cool para Michelle e a segurança com que se aproveita dos sentimentos de Sandra ressaltam não só sua imaturidade, mas sua própria indecisão em relação à vida, de quem quer ser e como quer agir.
Esse é de longe o melhor trabalho de Phoenix, que depois pirou e largou o cinema para tentar emplacar uma bizarra carreira como cantor de Hip Hop (difícil não rir e se questionar sobre a “cena do rap” que Leonard protagoniza no carro, que foi filmada muito tempo antes da piração do ator). Há excelência em seus olhares, na postura de constante incomodo, nos pequenos detalhes de suas expressões. Exemplar é quando ele descobre sobre o namorado de Michelle, tendo que engolir a tristeza para continuar sendo o ombro amigo da garota.  
James Gray fez em Amantes o cinema do não-dito, da não-palavra, e diretamente faz um jogo entre imagem e o olhar, porque não faltam momentos em que só entendemos o que está de fato acontecendo se prestamos atenção aos olhares dos personagens. Há o olhar voyeur da janela de Leonard (que se faz também o nosso olhar, pois sempre estaremos no ponto de vista dele, nunca dela, que continuará “acima” de tudo). Há a esperança nos olhos do pai e há ternura nos olhos da noiva, mas há olhares que fazem de Amantes um grande filme: o desconcertante olhar de melancólica compreensão da mãe em um momento chave do clímax, e outro olhar que se repete em dois momentos distintos: de Michelle quando transa com Leonard no telhado e o de Leonard, no último instante do filme. Um olhar que parece dizer “não me julguem, essa é a única saída. Vocês viram tudo o que aconteceu”. Pesado porque somos cúmplices de tudo e, assim como os personagens, não temos certeza se as decisões foram corretas.
Mas não haveria mesmo outra forma de terminar o filme. Como um maestro, Gray regeu sua obra com obsessiva finura e o tempo todo pediu nossa atenção. Àqueles que conseguiram manter o exercício durante toda a projeção, o final aberto não significa menos do que um imenso respeito à inteligência do espectador, tal qual o fazia aqueles mestres do cinema nos quais o diretor costuma se inspirar. Bom trabalho James Gray.

sexta-feira, 19 de março de 2010

Um novo exercício

A partir de hoje, semanalmente começarei a postar alguns exercícios de tiras em quadrinhos.

Segue o primeiro.

O Velho Inacio