quinta-feira, 29 de abril de 2010

Se Nada Mais Der Certo



Até hoje não consigo pensar numa razão clara e coerente para explicar não ter gostado de A Concepção (2005), do diretor José Eduardo Belmonte, e os motivos que me sobram são pessoais demais, com argumentação baseada mais em gosto do que conhecimento. A proposta da história era interessante. Um homem simplesmente chamado de X propõe à um grupo de jovens a anulação de suas identidades, para só assim conseguirem sobreviver e desestruturar os sistemas sociais conservadores sob os quais todos vivemos. Uma atitude radical? Possivelmente, mas há na atitude de queimar RGs também algo de imaturo, ingênuo, quase infantil. A ideia de revolução está lá, assim como as festas, o álcool e o sexo. A juventude dos personagens (no buraco dos 20 e poucos anos) potencializa isso. E quando as coisas dão errado, emerge algo que se assemelha a uma lição de moral. Belmonte quis chocar, mas castigou seus filhos depois. O resultado contraditório acabou ferindo o filme mais do que deveria.
Pulo para 2009 e encontro um filme que ainda discursa política, mas que faz desse discurso uma ferramenta de auxílio para o desenvolvimento de uma história que poderia ocorrer em qualquer grande metrópole do mundo. Sai o pedantismo ideológico, entra um lirismo consciente.
Se Nada Mais Der Certo traz três personagens centrais, assim como em A Concepção (se excluirmos X da lista). Léo (Cauâ Reymond) é jornalista desempregado que cuida de Angela (Luíza Mariani), - e a relação dos dois nunca fica clara - viciada e com um filho pequeno. Ele vive de freelas pelos quais nunca é pago e descarrega todas as suas criticas e angústias em relação ao mundo em cartas que nunca envia à um amigo. Wilson (João Miguel) é taxista. Típico trabalhador de classe baixa, passa por um período de depressão (ele parece nem fazer ideia de onde vem a tristeza que sente) e vive obcecado por uma arma, herança com a qual seu pai se suicidou. E por último, Marcin, talvez um dos personagens mais complexos do cinema recente. Distribuidor de drogas pelos "buracos" paulistanos, como a baixa Augusta, Marcin vive de seus "corres" e da boa relação que tem com cafetões, prostitutas, traficantes e o que mais conseguir. Marcin não é Márcio e nem Marcinha, é simplesmente Marcin. É algo que parece caminhar muito além da androginía e durante boa parte do filme, realmente nos faz esquecer de taxá-lo de alguma forma, aceitando-o exatamente como é. Todos os méritos à excelente atuação de Caroline Abras. Aliás, o trio de atores está impecável.
É Marcin quem consegue drogas para Angela, que numa noite de loucuras acaba perdendo sua bolsa com todos os documentos dentro, que vai parar nas mãos de um travesti importante e barra pesada. Cabe a Léo tentar resgatar a bolsa e aqui o destino dos personagens se cruzam.
Depois de muita discussão, Léo, Wilson e Marcin acabam fechando um "esquema". A boa aparência de Léo, o táxi de Wilson e os contatos de Marcin fazem com que consigam dinheiro fácil através de ações ilícitas. A felicidade da renda repentina não dura muito e eles logo se sujeitam novamente a situações extremas.
Se em A Concepção a destruição da identidade propunha o verdadeiro estado de liberdade humana, aqui são os roubos que se fazem solução, a classe média em decadência, e o que era liberdade se torna simplesmente instinto de sobrevivência. Na impossibilidade de se ver seguindo uma ética, seja moral ou política, os personagens se entregam da forma que podem ao que lhes parece ser a única saída.
É a partir daqui que percebemos a beleza do filme de Belmonte, principalmente porque essa entrega só é percebida nos momentos de calmaria, nos entreatos. É na filosofia barata do bar, seja num boteco ou num puteiro regados a álcool. É numa viagem à praia, no canto desafinado, no abrir o peito. É na comemoração no apartamento, na bebida, no sorriso do menino, no rock´n roll, na dança desajeitada, na tensão sexual dos corpos. Se Nada Mais Der Certo é um filme onde os corpos tem função essencial. São corpos em constante movimento, em clima intenso e febril, medo e busca por salvação. São corpos indefinidos, sem sexo como o de Marcin, e mesmo assim extremamente sexuais. E diferente do hedonismo de A Concepção, o sexual aqui surge como pulsão na única cena de sexo do filme.
Há a política e seu circo absurdo também. Há literalmente discursos políticos e ideológicos. A trilha de Os Saltimbancos, de Chico Buarque, cai como uma luva de tão bem utilizada. E se você perguntar, o diretor vai dizer que seu filme é uma crítica e blá-blá-blá..., como já o vi fazendo.
Talvez ele prefira esse aspecto de seu filme e não tenha percebido que só alcançou isso ao se dedicar ao outro lado: as relações humanas, a vida em sociedade, o amor e a luta diária por sobrevivência. Tudo isso está no filme e gosto de acreditar que é o que realmente importa ali. Acho que é tão pessoal como os motivos de não gostar de A Concepção, é mais paixão e admiração pela obra do que análise racional.
Mas, por ora, me permito isso e deixo a sugestão de filme. De minha parte, guardo as imagens das belas cenas de uma São Paulo enfim filmada de uma maneira interessante e, como diz Léo lá nos últimos minutos, "e é isso que vou sempre guardar comigo, se nada mais der certo".            

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