quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

O Lutador


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Uma das palavras que parecem vir à mente quando se lê a sinopse do filme O Lutador é a palavra redenção. Homem que já teve seus dias de glória no passado e agora caminha no esquecimento recebe uma segunda chance de reparar alguns erros e voltar ao topo. Seria uma típica história de reparação, não fosse um importante fato: a tal redenção chega sim afinal, mas para o diretor Darren Aronofsky e com ainda mais força para seu ator protagonista, Mickey Rourke. E a segunda chance do lutador do título, bem, apesar das aparências, não há segundas chances aqui.


Randy “The Ram” Robinson (Mickey Rourke) teve seu auge como lutador de wrestling (luta - livre por aqui) na década de 80, e foi caindo no esquecimento durante as décadas seguintes. Vive agora da fama do passado, respeitado por todos os companheiros e sendo aclamado nos pequenos ginásios ou ringues improvisados onde ainda consegue “atuar”. Após uma luta, Randy tem um enfarte, e é aconselhado a não lutar mais, pois seu coração, após anos de bebidas, lutas, uso de anabolizantes e tudo o mais que o instinto autodestrutivo do personagem pudesse suportar, está agora fraco demais e não se sabe até que ponto pode agüentar. Aparece aqui a oportunidade para que ele refaça sua vida, se aproximando da filha Stephanie (Evan Rachel Wood) que negligenciou durante anos, da stripper Cassidy (Marisa Tomei) e que se estabeleça em seu emprego “normal” no setor de frios e açougue de um supermercado. Mas estamos na época da comemoração de vinte anos da luta entre The Ram e o “Aiatolá”, ponto máximo de sua carreira, e um festival será organizado para oferecer a revanche. Randy vê aqui a oportunidade de resgatar os anos gloriosos.


A premissa é simples e, aparentemente, até clichê, mas ao se assistir ao filme, percebe-se estar diante de uma obra de qualidade única no cinema, a começar pelo seu personagem. Randy não está em busca de redenção, quer apenas fazer o que gosta, a única coisa que o faz se sentir vivo, mas quando o médico o aconselha a não lutar mais, ele é obrigado a olhar para a força do tempo que passa, para o próprio caminho que trilhou e para a vida que levou nos últimos vinte anos. Perceber que o personagem, ao longo do filme, vai tomando consciência de que o tipo de vida que leva e seus valores pertencem à outra época é tocante, pois Randy ama de verdade o “seu tempo”, mas é obrigado a caminhar por aí como uma relíquia, como espólio de algo que já passou. Se hoje em dia ele simplesmente vaga por aí, não há forma melhor de mostrar isso do que com a câmera na mão. Ela o segue por todos os lados, permitindo que ele escolha o caminho, o que reforça o sentimento de deslocamento, uma vez que são longos os corredores pelos quais ele costuma passar.


O contraste de O Lutador com os outros filmes da carreira de Darren Aronofsky é assustador. Se ele apostava numa linguagem extremamente fragmentada e psicológica em Pi e Réquiem Para Um Sonho, ou pela fantasia estética- visual e introspecção em Fonte da Vida, aqui o clima é mais seco, as cores, com exceção dos “colantes” dos lutadores e do sangue, são frias, tudo é excessivamente duro, tudo excessivamente pesado, como a carga que Randy carrega. Mas é ainda mais impressionante encontrar nesse cenário áspero, espaços para o simbolismo. Quando se pensa que a aposta seria em mais uma obra calcada no que parece ser lei hoje em dia, o realismo, há a cena do corredor onde The Ram veste seu “uniforme” de trabalho, atravessa os corredores escuros, se alonga fisicamente, o grito do público cresce numa constante, ele hesita por alguns instantes e... tudo se silencia, pois ao invés do ringue, temos o balcão do supermercado. Doído demais. Em 2006, Aronosky saiu injustamente sobre um mar de vaias por Fonte da Vida. Críticos de todo o mundo acusaram o jovem diretor de perder a mão (isso apenas em seu terceiro filme), que ele era pretensioso e que nunca mais faria nada na relevância de Réquiem... e Pi. Saiu em 2008 com o Leão de Ouro em Veneza e, só não foi indicado à melhor diretor e melhor filme em outras categorias porque as organizações não cessam de fazer injustiças a torto e a direito (Christopher Nolan que o diga).


Não por acaso, após Veneza, a divulgação de O Lutador se focou na interpretação de Mickey Rourke. Numa escalada freqüente de bons papéis na década de 80, trabalhando com bons diretores e sendo correto em suas atuações, o ex-galã entrou na década seguinte fazendo uma série de escolhas erradas. Abandonou a carreira no cinema para se dedicar ao boxe, fez muitas plásticas, envolveu-se em escândalos dos mais diversos e, quando tentou retornar ao ofício de ator, fez algumas escolhas equivocadas. Mas nos últimos anos, começou a ser relembrado por alguns diretores e, se o Marv de Sin City lhe rendeu certa atenção, é apenas com o filme de Aronofsky que ele retorna definitivamente a atuação, no desempenho de sua vida. Até poderia se valer da máxima de que a vida se confunde com a ficção em O Lutador, porém, Randy não é Rourke, mas Rourke sabe que poderia ser Randy. É preciso coragem para olhar para a própria vida e rever as decisões erradas que se tomou. Em seus discursos de agradecimento pelos prêmios que vêm colhendo pela sua atuação no filme, Rourke não deixa de lado o passado e reafirma que está buscando seu caminho novamente, assumindo problemas das decisões que tomou na última década. 90´s sucks! diz Randy, 90´s sucks! deve pensar Mickey Rourke. Sua entrega física ao personagem The Ram é tão impressionante quanto os limites físicos que podem chegar os lutadores de wrestling para entreter o seu público (como cortar a si mesmo). E seu olhar diz tanto quanto suas palavras, que não são menos fortes. “Sou apenas um pedaço moído de carne, e mereço ficar sozinho. Só não quero que você me odeie” diz ele a sua filha Stephanie. Ou quando ele conta sofre seu enfarte para a personagem de Marisa Tomei (linda e perfeita no papel) e ela apenas diz que vai ficar tudo bem, mas que ela tem que voltar ao trabalho. Quanto ao olhar, difícil não se comover com o terror nos olhos de Randy ao constatar, numa espécie de convenção da velha guarda da luta - livre, que seus companheiros estão todos velhos, decadentes, sozinhos, com a saúde comprometida, quase como se encarasse um espelho colocado forçadamente a sua frente.


O ritmo do filme varia entre o intenso e o pacato, mas há algo ali que conduz o espectador o tempo todo, sem que se saiba ao certo o que é isso. O brilhantismo da fita de Darren Aronofsky e Mickey Rourke espera até os seus últimos minutos para se revelar. E é num momento catártico onde, enquanto Randy se agiganta, somos colocados finalmente à distância, apenas para assistir ao momento e permitir que o personagem viva aquela emoção sozinho, que tudo o que foi mostrado até aquele momento se torna inesquecível. Não me lembro de um final tão coerente e que dê tanto sentido a tudo o que foi construído até então. É o momento de redenção do diretor, que não devia nada a seus críticos, mas deve ter tido sua auto-estima tão abalada que precisava provar algo a si mesmo. É o momento de redenção do ator, que não só precisava provar algo a si mesmo, quanto desejava agradecer a todas as pessoas que um dia acreditaram nele, além daqueles que nunca o abandonaram.


Mas não é a redenção de Randy “The Ram” Robinson. Seu tempo já passou, ele já fez demais. Só o que importa agora é aquela sensação, aquele momento, aquilo que ele sabe fazer. O que vier depois não importa. Ele nos deixa comovidos com sua presença, nos dá força, e deixa para nós a última palavra, o último grito. Pois ele é apenas um lutador.


Fica na letra da linda canção de Bruce Springsteen o que reflete o que é, desde já, um dos melhores filmes do ano e, particularmente, um dos melhores filmes que o cinema já ofereceu.




Bruce Springsteen - The Wrestler


Two, three, four



Have you ever seen a one trick pony in the field so


happy and free?


If you've ever seen a one trick pony then you've seen


me


Have you ever seen a one-legged dog making his way


down the street?


If you've ever seen a one-legged dog then you've seen


me



Then you've seen me, I come and stand at every door


Then you've seen me, I always leave with less than I


had before


Then you've seen me, bet I can make you smile when the


blood, it hits the floor


Tell me, friend, can you ask for anything more?


Tell me can you ask for anything more?



Have you ever seen a scarecrow filled with nothing but


dust and wheat?


If you've ever seen that scarecrow then you've seen


me


Have you ever seen a one-armed man punching at nothing


but the breeze?


If you've ever seen a one-armed man then you've seen


me



Then you've seen me, I come and stand at every door


Then you've seen me, I always leave with less than I


had before


Then you've seen me, bet I can make you smile when the


blood, it hits the floor


Tell me, friend, can you ask for anything more?


Tell me can you ask for anything more?



These things that have comforted me, I drive away


This place that is my home I cannot stay


My only faith's in the broken bones and bruises I


display



Have you ever seen a one-legged man trying to dance


his way free?


If you've ever seen a one-legged man then you've seen



me

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terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

O gigante Brando

Filmes podem ser bons por diversos motivos. Uma boa direção, um bom roteiro, uma boa fotografia, uma boa cenografia, efeitos especiais... Seja lá qual for a característica, às vezes um único elemento pode ser essencial para a apreciação de uma obra. No caso dos filmes de narrativa tradicional, não há o que se negar que a atuação dos protagonistas pode influenciar decisivamente no resultado final de uma obra. Claro, existem atuações médias e fracas em bons filmes, mas existem também atuações excelentes em filmes menores.


Sindicato de Ladrões (On the Waterfront), clássico de 1954 dirigido por Elia Kazan já seria um bom filme ao abordar o tema da exploração exercida por gângsteres nas docas de Nova Iorque, mas é com Terry Malloy, personagem interpretado por Marlon Brando que o filme se trona excelente.


É na fita de Kazan que Brando, em sua melhor fase, compõe um personagem que é somente um joguete nas mãos dos gângsteres que controlam o sindicato, que precisa lidar com o peso de sua consciência e a inevitável busca por redenção. E se o olhar profundo e triste do personagem, perdido no horizonte dos telhados onde cuida dos pombos ou a crescente vivacidade de seus gestos ao se apaixonar pela ingênua Edie (Eva Marie Saint) não convencem quanto ao peso nos ombros de Malloy, é na cena do táxi, onde Terry conversa com o irmão Charlie (Rod Steiger), que Brando expressa de maneira emocionante todo o desmonte do orgulho próprio de Terry ao admitir o próprio fracasso através de sua impotência e dependência dos outros. O olhar de “tudo o que poderia ter sido” é devastador, tanto para Charlie quanto para o espectador, que nada mais pode fazer a não ser torcer para que Terry encontre um lugar em de paz.


A seguir, um link para a bela cena, mas fica a indicação para que o filme na integra possa ser assistido e apreciado.


Até a próxima.


ps: infelizmente, não encontrei uma versão legendada, mas talvez isso possa servir como mais um estímulo para se ir atrás do filme.  ;-)




Juventude

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Aparte os vários temas abordados nos textos do último post, destaco agora um triste fato: pouquíssimas pessoas assistiram ao filme Juventude, produção mais recente do cineasta Domingos de Oliveira (dos filmes Todas as Mulheres do Mundo, A Culpa, Carreiras, entre outros).


Juventude mostra o encontro de três amigos na casa dos setenta anos, David (Paulo José), Ulisses (Aderbal Freire Filho) e Antônio (o próprio Domingos) durante um fim de semana (ou talvez, apenas um dia desse fim-de-semana, essa passagem do tempo ficou um pouco confusa para mim) na casa de David.


Há espaço suficiente para a galhofa entre os amigos, para cada um contar a história de um grande amor, para relembrar o passado, para se arrepender dos erros e, com algum custo, para olhar para o tempo que ainda lhes resta pela frente.


O texto é de uma incrível beleza, só tendo podido mesmo ter sido escrito por um artista que viveu a vida intensamente e a dedicou a arte e a busca por sentimentos de prazer e alegria, nas melhores formas que poderiam ocorrer tal busca. Penso na dificuldade que seria para um roteirista mais jovem escrever um texto com tamanha carga de experiências vividas nas costas e com uma franqueza visceral (claro que existem casos bem sucedidos desse tipo de empreitada). Os três atores dominam suas cenas, e, já gigantes naturalmente, crescem ainda mais quando a dinâmica da cena envolve os três ao mesmo tempo. Bonito ver o encontro de Paulo José e Domingos de Oliveira, mais de quarenta anos depois do filme de estréia do cineasta, o ótimo Todas as Mulheres do Mundo (1966) com Paulo José como o protagonista.


Sem dúvida há certo ar de nostalgia que permeia o filme, mais por parte de seus protagonistas que do espectador, que consegue sentir esse sentimento de maneira menos aflitiva, quase que a apreciando por ser ela o combustível para as ações e revelações dos personagens, e sabemos que quanto mais lembranças eles tiveram, mais fortes serão as conseqüências de suas auto-analises. A bonita-tristeza que envolve os homens com a velhice e uma maturidade, enfim, consciente, é a força motor desse filme simbólico desde o seu título, Juventude.


O filme é todo gravado em câmera digital e por isso, eventualmente podem ser percebidos problemas no som ou na luz da locação. Mas são problemas essencialmente técnicos, e que em momento algum prejudicam o desenvolvimento do filme, que se preocupa mesmo com o texto e com o aspecto humano de seus personagens. E se por vezes a técnica digital é falha, talvez possamos pensar que ela age aqui como seus personagens, velhos e novos ao mesmo tempo em carne e espírito, com falhas, porque são humanos, demasiado humanos.


Quando fui procurar os horários e locais onde passavam o filme a algumas semanas, encontrei-o apenas em uma sala de cinema. Se não me engano, ele estreou com talvez uma ou duas salas a mais que esse número. Uma pena, pois o filme do cineasta, ator e dramaturgo Domingos de Oliveira é de uma beleza triste e madura, uma pequena peça de experiências de vida a ser dividida com um público que, infelizmente, não pôde apreciá-la.


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Velhos problemas...

Reproduzo aqui três interessantes textos publicados no site da Revista Bravo! e que dizem respeito, entre outras coisas, à forma de distribuição dos filmes nacionais, das salas de cinema e do eventual fracasso do chamado "filme de arte". São dois textos de Gabriela Rassy e um texto-depoimento do cineasta Domingos de Oliveira, publicado em seu blog que também faz parte do site da Bravo!, que se complementam e acabam reafirmando alguns fatores que são realidade no que diz respeito a exibição dos filmes nacionais. Sem o intuito de defender as opiniões expressas, acredito que a leitura desses textos sirva como mais uma relevante fonte de informação para aqueles que se interessam pelo cinema nacional, sejam produtores, realizadores ou espectadores.

O Fracasso da Qualidade

O FRACASSO DA QUALIDADE

Tento compreender porque meu filme "Juventude", embora tenha sido um notável sucesso de crítica, mais que isso, junto a amigos, intelectuais e artistas, é um fracasso em número de espectadores atingindo, até hoje, 22 de janeiro de 2009, não mais que 12 mil espectadores. Tento entender como um filme que provoca uma profunda comoção, que é unânime entre as cabeças pensantes ou sensíveis, pode ser um fracasso de bilheteria! O quanto vale o famoso boca a boca no cinema brasileiro? Ele é o verdadeiro espelho do agrado do filme. Quanto vale isto? Em casos como o "Juventude", parece não valer nada. Ou será que a platéia inteligente vai, mas não recomenda? Tudo é possível.

Esse artigo não é sobre o "Juventude" e sim sobre vários outros filmes bons, onde o mesmo ocorreu. É uma tentativa de compreender o fracasso da Qualidade. É preciso, antes de tudo, entender que o mercado é absurdamente dispare. Que dada existência de patrocínios, as despesas gastas com comercialização são muito diferentes, criando, evidentemente, uma concorrência injusta e desleal com os filmes que não têm verba e propaganda. É uma luta de David e Golias, um sendo exibido no cinema ao lado do outro.

Muitas coisas levam o espectador ao cinema além da qualidade. Principalmente:

O número de cópias

O número de cinemas em que foi lançado

Se tem ou não artistas da Globo ou outros igualmente midiáticos

É evidente que esses valores acima falam a favor do chamado "filme comercial" de assunto e linguagem fáceis ou pouco criativos. Claro que há exceções dos bons filmes do divertimento como o de Daniel Filho, que é uma espécie de Monicelli brasileiro. Porém sabemos que falar de números é falar de nada. Números são manipuláveis. É evidente que o agrado de um filme é importante.

Um filme não é feito para divertir, apenas. É feito para ensinar a viver. Será necessário fazer filmes ruins num país pobre como o Brasil? É evidente que não. O necessário é fazer filmes bons. Que cheguem ao coração da platéia. Que lhes ensine a ser melhores pessoas, melhores cidadãos, tornar mais justa nossa cruel sociedade. Dificilmente esse tipo de filme pode ser feito a muitas mãos. Em geral, são filmes de um homem só, o autor, a visão de mundo de um homem que, em achando que a vida vale à pena, grita isso para os outros. Sob forma de elogio das grandes qualidades humanas, a dignidade, a honestidade, o amor, o patriotismo, a ética, ou seja, os valores que construíram essa nossa humanidade. Esses filmes valem à pena ser feitos. Os outros não. Ou melhor, devem ser feitos sem apoio do Estado.

Não há nenhum vestígio na Legislação Brasileira de Cinema de medidas que protejam decididamente esse tipo de filme: o filme de Arte. Muito pelo contrário. Cada vez mais se considera como valor magno a bilheteria bruta. Aquilo que o filme rende em dinheiro. Como se esse fosse seu único valor. A TV Globo estabelece o valor financeiro dos filmes que compra através de bilheteria. Mesmo no moderno Funcine, que é uma ótima idéia, a bilheteria dos filmes anteriores conta prioritariamente.

Bilheteria é importante, sem dúvida. Até numa obra de arte. Tudo de que eu ouvi falar até hoje chegou até mim porque deu dinheiro. Beethoven deu dinheiro. Kafka deu dinheiro. A arte é invencível. Mais cedo ou mais tarde ela alcança a todos e dá dinheiro. Na maior parte das vezes, fora do período de vida do artista. Que, por isso, produziu menos. É uma lástima.

O cinema brasileiro tem de representar o mercado internacional, na pequena faixa disponível para isso. O que tem sido tentado através de filmes que de alguma forma imitam o tipo de filme que os americanos fazem.

O filme de baixo orçamento é desprezado e o altíssimo orçamento louvado. É a máxima que dinheiro traz dinheiro. E traz mesmo. Mas é importante que as autoridades apóiem isso.

Reivindico o Ministério da Arte. Regido por artistas. Fora de qualquer suspeita, que privilegiam somente o mérito. A arte do filme. Não é preciso um ministério com grandes dotações orçamentárias. Seria o minúsculo ministério. Porém ministério. Que ajudasse a criar a importância social do cinema e que fizesse do cinema o retrato do país. Que ajudasse, na sua diversidade, tanto os escolhidos quanto os milionários. Num cinema de alto aspecto e virulência emocional. Esses filmes são os únicos que podem vencer a barreira do mercado internacional. São esses filmes que carregariam a chamada, proclamada e desejada indústria cinematográfica. Assim como a locomotiva carrega o trem. É preciso igualmente incentivar o filme independente e patrociná-lo a posteriori, se for bom. Coisa que é proibido na legislação atual que patrocina roteiros, a forma das mais difíceis de ler de toda a literatura. Preconizo a volta da meritocracia artística. Caso contrário, estaremos diante do primado da mediocridade. Da idéia inútil e repetida, da mensagem conformista. No entanto, são outros valores que, crivados de burocracia criam os editais de patrocínios. Ou dão o dinheiro diretamente.

A incompreensão das autoridades e dos burocratas responsáveis sobre este ponto fundamental é o problema do cinema brasileiro. Para completar, por favor, ninguém levante o argumento de que é difícil e subjetivo julgar o que é ou não é arte. Mentira! Mentira maliciosa! A arte brilha como sol. Dá frutos abundantes em todas as estações. É reconhecível à primeira vista. E, se não for, basta perguntar a um artista de verdade que já tenha emocionado muita gente.

Por mim, boto meu roteiro novo em mérito, a melhor coisa que já escrevi, e também minha peça nova, a melhor que já escrevi, embaixo do braço. Me armo com a lanterna da paciência e saio por aí batendo de porta em porta pedindo, com se fosse um prato de comida, uma inteligente compreensão.

Domingos Oliveira

Rio de janeiro, 22 de janeiro de 2009.

Fonte: http://bravonline.abril.com.br/blog/domingosoliveira/

Por que os filmes nacionais não são exibidos?


Leis de incentivo, sistema de cotas e co-produções com outros países. Com o auxílio dessas medidas, o cinema brasileiro se desenvolveu muito nos últimos anos. Mas a escassez de salas, a concorrência brutal e a defasada indústria da distribuição ainda dificultam a chegada de filmes ao circuito comercial.


Por Gabriela Rassy

A produção cinematográfica nacional retomou há mais de uma década sua força. Apesar disso, o cinema brasileiro ainda não conquistou proporcionalmente um público tão significativo. Muitos filmes produzidos ainda não chegam às telas. E parte das razões para isso podem ser encontradas nas próprias estratégias usadas para viabilizar a produção.

As leis do Audiovisual e Rouanet são, hoje, as maiores fontes de incentivo para os filmes brasileiros. Elas possibilitam que empresas financiem eventos culturais em troca da dedução de parte do imposto de renda. Nesses casos, o empresário investe, deduz do imposto e aposta no lucro do filme. Mas, segundo o advogado José Maurício Fittipaldi, sócio do escritório Cesnik Quintino & Salinas, especializado em entretenimento e cultura, a prática não funciona bem assim. "Raríssimos filmes dão lucro, então essa não é a preocupação do patrocinador, que investe mais pelo benefício fiscal, que é muito grande", explica Fittipaldi.

Outra alternativa para a produção que a lei permite é a associação com empresas estrangeiras. Quando um filme de outro país é exibido no Brasil, a distribuidora paga um imposto. Pela lei, a empresa pode reverter parte desse imposto para co-produzir outro filme com uma produtora brasileira. "Muitos filmes brasileiros foram viabilizados graças à participação de empresas estrangeiras. Por um lado, quanto mais as empresas estrangeiras lucrarem no Brasil, mais dinheiro elas vão ter para fazer filmes", explica. O que, como as leis de incentivo, têm um colateral. "Por outro lado, elas produzem também os principais concorrentes dos filmes brasileiros", alerta o advogado.

Retomada

O Brasil tem hoje um déficit brutal de salas de exibição e pouquíssimo incentivo à prática de exibição - apenas 9% nos municípios do país têm salas de cinema. Mesmo com a limitada infra-estrutura, é reconhecível que, desde a retomada, o número de filmes nacionais exibidos aumentou muito. "Cresceu o número de distribuidoras dos filmes nacionais e, em 2007, tivemos 82 filmes lançados no cinema. Esse ano começou bem com a estréia de Se eu fosse você 2 que é líder de renda com 4 ou 5 semanas seguidas em cartaz", aponta Pedro Butcher, editor do site Filme B, especializado em mercado cinematográfico.

Outro ponto que colabora com uma produção mais vertiginosa de cinema brasileiro é a facilidade da tecnologia digital. Com ela, o custo para fazer um filme cai consideravelmente, já que uma cópia de 35mm sai, em média, U$ 2 mil.

O crítico de cinema e produtor, Leonardo Mecchi, acredita que hoje há um descompasso entre o modo que os produtores e distribuidores pensam em exibir cinema e a forma como o espectador está consumindo esse tipo de conteúdo. "Existe uma contradição que é o aumento cada vez maior da produção exatamente no momento em que o público que frequenta as salas de cinema cai cada vez mais. Outras mídias (TV, DVD, Internet) acabam assumindo a preferência do espectador na hora de buscar uma alternativa para ver os filmes", disse Mecchi.

Para o produtor, DVDs, locadoras e até mesmo parte dos canais por assinatura estarão completamente obsoletos em um futuro não muito distante. "Você terá uma videoteca virtualmente ilimitada disponível a um toque do teclado, em tempo real e em altíssima definição. Não digo que será o fim do cinema, mas as salas escuras ficarão limitadas a uma restrita elite de apreciadores do cinema enquanto arte (da mesma forma que um museu não é tão frequentado quanto um shopping center)", considera Mecchi.

Festivais

Apesar do público não ter sido tão bom nos últimos dois anos, Butcher ainda aponta outros lados: a imensa quantidade de festivais de cinema, que dão oportunidade de uma cidade ver um filme brasileiro, e a redução dos chamados "sem tela", que são os filmes que não encontravam salas de exibição. "Muitos hoje fazem acordos prévios de exibição com distribuidoras. Os filmes que estão prontos, em geral, estão lançados ou já passaram nos festivais. Portanto, eles acabam chegando às telas, mas em poucas cidades", disse Butcher.

O Brasil possui hoje um amplo circuito de festivais que levam o cinema para mais de 2 milhões de espectadores por ano. E, além dos festivais serem acolhedores com filmes menos comerciais, têm a vantagem de levar o cinema a cidades que não possuem salas de exibição.

"Grande parte do público do cinema brasileiro simplesmente não tem acesso aos filmes - ou porque eles não possuem salas de cinema em suas cidades, ou porque os filmes não chegam a ser programados nessas salas. Além disso, quase todos os festivais brasileiros possuem programação gratuita, o que ajuda a sanar um outro grande fator que motiva a queda de público para o cinema no Brasil: os altíssimos preços dos ingressos", explica Leonardo Mecchi.

Conteúdo

Para Marcelo Dória, produtor de O Cheiro do Ralo, o problema dos filmes brasileiros está no conteúdo. "Os filmes nacionais não são bons produtos. Eles não contam as histórias que o público quer assistir.  Quem vai ao cinema vai ver o Homem Aranha. Brasileiro quer fazer filme cabeça. Lá fora, filme é produto", afirmou Dória.

O produtor acredita que os profissionais fazem filmes para si próprios, sem se preocupar com o mercado ou com a qualidade. "Se alguém vai acreditar que o filme vai dar público, ele vai ser exibido, se não vai ficar 100% dependente de incentivo", declarou.

Pedro Butcher acredita que a produção brasileira começou a mudar agora. "Projetos mais comerciais estão começando, mas o perfil da produção brasileira ainda é muito baseado no conceito de filmes de autores, com temática mais difícil", disse o editor do Filme B.

Fonte: http://bravonline.abril.com.br/conteudo/assunto/filmes-nacionais-nao-sao-exibidos-cota-cinema-419218.shtml

Cotas além da fronteira


Para proteger seus cinemas nacionais, diversos países utilizam o sistema "cota de tela". A cota determina a quantidade de filmes nacionais que devem ser exibidos por ano, no país


Por Gabriela Rassy

No Brasil, a Cota de Tela foi mantida de 2007 para 2009, mas o mecanismo foi estabelecido no país em 1934. A determinação é calculada por dias em exibição, mas depende do número de salas de cada complexo. O mínimo estipulado, por exemplo, para um cinema de apenas uma sala, são dois títulos diferentes lançados ao ano, que fiquem, pelo menos, 28 dias em cartaz. Já um complexo de 11 salas, deve exibir um mínimo de 11 títulos por 506 dias. Acima de 11 salas, o número de filmes é o mesmo, mas a quantidade de dias aumenta.

A Espanha, após revisar o sistema de regulação e fomento à cinematografia em 2007, determinou que a cota fosse baseada em sessões e não mais em dias, considerando que filmes espanhóis ou da União Européia devem ser exibidos em 25% das sessões. Para os canais de televisão, que já tinham que destinar 5% de seu faturamento anual para o financiamento de filmes, a reformulação agora exige que este percentual possa chegar até 12%, mas com variações de acordo com a programação do canal.

A Coréia do Sul, país que vem firmando-se com pólo de produção audiovisual diversificada e de qualidade internacionalmente reconhecida, apresenta uma das maiores taxas de market share para filmes nacionais (cerca de 50%). A política de cota de tela, adotada a partir de 2006, reserva 73 dias anuais para produções cinematográficas nacionais, sendo que, anteriormente, esta cota era de 146 dias anuais.

Desde janeiro de 2009, a Argentina apresentou uma revisão no mecanismo de cotas. Além da quantidade mínima de um filme nacional por trimestre, para cada sala, foi estabelecida a denominada "média de continuidade". Assim, os filmes argentinos que atingirem a média mínima de público estabelecida por lei permanecerão obrigatoriamente em cartaz na mesma sala. Para isso, os títulos são divididos em categorias, de acordo com a dimensão de seu lançamento, e é considerado o tamanho da sala em que o filme foi exibido e a temporada em questão (alta ou baixa). A nova sistemática argentina determina que os filmes de estréia fiquem, no mínimo, duas semanas em cartaz. As informações são da Ancine (Agência Nacional de Cinema).

Alguns países, como a China, optaram historicamente pela adoção do modelo de "cota de importação" de filmes estrangeiros. Apesar da gradual abertura de mercado, o país ainda limita boa parte do conteúdo que vem de fora - apenas 50 títulos por ano. "É um misto de proteção com censura", disse Pedro Butcher.

O cinema francês estipula uma cota para canais de televisão. Segundo informações do site Filme B, 60% do número total de filmes exibidos por ano para cada canal deve ser obras européias, e desses, 40% precisam ser filmes falados em francês.

Fonte:  http://bravonline.abril.com.br/conteudo/assunto/cotas-alem-fronteira-cinema-419217.shtml