quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

A beleza de Miyazaki

miyazaki Miyazaki tem muito a dizer. Tem tanto a dizer que sua obra não se reflete apenas nas palavras de seus personagens ou na escrita de suas histórias, seja para a televisão, para o cinema ou para meios impressos. Para se ter uma pequena idéia de tudo o que ele tem a dizer, é necessário bastante atenção a todos os componentes de qualquer obra sua. A riqueza de detalhes de suas composições só não parece ser maior do que o esforço depositado ali para que tamanha grandeza repouse numa simplicidade gritante. Se a arquitetura moderna clamava aos quatro cantos que “menos é mais”, em Miyazaki o menos parece ser muito mais.


Fica uma forte impressão ao final de cada filme do animador e cineasta japonês de que estamos diante de alguém que não abre mão, de maneira alguma, da animação tradicional, apenas incorporando novos recursos tecnológicos como meras ferramentas de apoio para esse fim. Mais ainda, Miyazaki nunca deixa em segundo plano sua arte de pinturas, assim como não deixa de lado outras características presentes na maior parte de sua obra, como a preocupação com a natureza ou a aviação, sempre presente em algum nível (fruto das lembranças de sua infância onde o pai trabalhava em uma fábrica de lemes para aviões). O que poderia ser confundido com conservadorismo acaba se revelando como um dom único, de alguém que vive para a arte como forma de conscientização dos males que provocamos ao nosso planeta.


Outra bem sucedida iniciativa é a confiança na possibilidade de se criar algo original, mesmo que trabalhando com um folclore popular que poderia não fazer o menor sentido fora de terras asiáticas. Nunca duvidamos do mundo mágico ou dos personagens divertidos, estranhos, belos ou bizarros que protagonizam as histórias do criador japonês, porque ele, desde o início, os coloca em posições simbólicas, mas nunca fechadas em estereótipos. Mesmo os vilões, ainda que possam estar sugeridos superficialmente como tais através de seu aspecto, nunca podem ser taxados essencialmente como alguém mal. A inversão visual de papéis que Miyazaki constrói em seus filmes mexe com a passividade do espectador, acostumado a receber arquétipos de bandeja. A partir disso, um porco heróico nos remete à ícones do cinema hollywoodiano como Clark Gable, por sua postura e seus princípios de honra, mas que não deixa de ser fisicamente um porco. Ou Sophie, protagonista de O Castelo Animado, que devido a uma maldição passa boa parte da história como uma velha de aparência feia e frágil. Totoro, um “bichinho bonito e fofo”, faz sua magia através de berros assustadores e o que dizer da muitas vezes sombria casa de banhos onde Chihiro é obrigada a trabalhar para salvar os pais? Estas obram não duvidam em momento algum de nossa inteligência, pelo contrário, parecem querer estimulá-la visualmente a todo o instante. A superficialidade de um mundo visualmente esgotado pelo excesso é substituída aqui por um exercício apurado do olhar diante de outro mundo, um pouco mais belo, um pouco mais colorido, por vezes, um pouco mais sombrio, mas, geralmente, muito parecido com o nosso. Para se perceber isso é só prestar atenção nas velhas entrelinhas.


Se nas últimas décadas viu-se crescer certo interesse do ocidente pelo oriente, não há como negar que boa parte desse interesse partiu da cultura popular e sua intrínseca característica de absorver tudo ao seu redor, principalmente aquilo que, aparentemente, seja exótico. Não foi diferente com os filmes, com as pinturas, com os mangás e, finalmente, com os animes japoneses. E ainda que seja um sacrilégio reduzir um filme de Miyazaki a um simples anime (desenho animado japonês), é provável que ele não veja inconveniente algum nisso, pois dentro de sua obra também há um vasto espelho do que a de mais belo na cultura milenar japonesa e do que há na nossa própria cultura, a cultura ocidental de novos e velhos mundos. E se através dessa absorção, pudermos aprender algo mais, nem que seja uma mudança simples de olhar quanto às pequenas coisas da vida, parte dos objetivos de filmes como Porco-Rosso, Meu Vizinho Totoro, A Viagem de Chihiro, Princesa Monoke, Nausicaä, entre tantos outros, estará atingido.


E que as tantas aposentadorias anunciadas por Miyazaki ao longo dos anos, continuem a ser apenas estímulo para que ele retorne com mais obras-primas.


Arigatou gozaimasu, sensei.


hayaomiyazaki

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