segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

Crepúsculo dos Deuses

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Não é sempre que um título em português para uma produção estrangeira seja tão sonoro e tão oportuno como no caso de Sunset Blvd: Crepúsculo dos Deuses (1950) é considerado por muitos a obra-prima de Billy Wilder, uma obra de absoluta relevância na história do cinema, cujos ecos soam nítidos e firmes até os nossos dias.

O roteirista fracassado Joe Gillis (William Holden), fugindo de seus cobradores, acaba numa imensa mansão que pensa estar abandonada, até descobrir que ali vivem a ex-estrela do cinema mudo Norma Desmond (Gloria Swanson) e seu fiel empregado Max von Mayerling (Erich Von Stroheim). Ao descobrir a ocupação de seu visitante, Norma decide contratá-lo para revisar o roteiro que vem escrevendo há anos e que será seu grande retorno (nada de "volta", como ela mesma afirma) ao estrelato. O filme será dirigido pelo lendário Cecil B. DeMille. Gillis, a fim de unir o útil ao agradável (mais útil por causa de suas dívidas do que agradável) acaba aceitando a proposta e dá-se início a uma bizarra relação entre Norma e Gillis, com o empregado Max para fechar a trinca.

É dentro dessa história que Wilder vai realizar um filme imenso, que tem como uma de suas maiores forças o fato de ser também uma imensa contradição. A história da ex-dama do cinema mudo que vive esquecida pela mídia e pelo grande público - ficção que se confunde com a vida real, uma vez que a própria Swanson já participara de mais de 50 filmes e na época de Crepúsculo... estava praticamente esquecida - é apenas um dos "cutucões" nas feridas que existem no grande corpo de Hollywood. As diferenças de tratamento, o papel dos agentes, a relação dos estúdios com o lucro, o Star-System, enfim a grande aura de "negócios" que envolve TODO o universo Hollywoodiano é tratado ou citado em algum nível no filme. E a competência na realização de Crepúsculo dos Deuses fez do próprio filme um sucesso inquestionável e um símbolo da era de ouro de Hollywood.

Felizmente, isso é plenamente justificável ao se assistir a película e ver desfilarem a frente atores de extrema competência, encaixados numa mis-en-scène perfeita. Gloria Swanson é um monstro no papel de Norma, crescendo na tela a cada aparição e dizendo frases pontuais e certeiras, como aquela que se tornou uma das mais famosas do cinema "Eu sou grande. Os filmes é que ficaram pequenos". Os contrastes do preto-e-branco acentuados nas cenas de Gillis e Norma apenas potencializam a relação de caça e caçador que eles partilham ao longo do filme. A auto-referência se expande quando vemos em cena outras figuras decisivas na história do cinema como Buster Keaton, Hedda Hopper e o próprio DeMille, vivendo a si mesmo na tela. Além disso, o inusitado roteiro nos remete a obras não necessariamente literárias: o protagonista que se revela já defunto (e o vemos morto) no início do filme remete imediatamente ao excêntrico Brás Cubas, da obra de Machado de Assis; e influenciou a forma de personagens de consagradas produções recentes a contarem suas histórias, como o Lester Burham (Kevin Spacey) de Beleza Americana (1999).

O filme acaba se revelando um sofisticado exercício de metalinguagem, onde aponta o dedo para o próprio rosto e se denuncia diante do espectador, mas não deixa também de fazer a ação inversa e apontar o dedo em nossa direção. O ápice de toda a construção de Crepúsculo dos Deuses culmina num final arrebatador, onde os excessos parecem emergir de maneira natural e o absurdo faz todo o sentido com o que fora construído até ali. Mesmo a previsibilidade do desfecho não deixa de ser um interessante componente numa obra que se propôs desde o início a criticar a tradição do cinema. A cena de Norma descendo a escadaria e crescendo em nossa direção parece simbolizar um cinema feito em indústria, que nos engole por inteiro e nos sufoca, ditando a direção da maior parte da produção cultural do último século e de parte do início desse novo século. Mas assim como Gillis, seja por necessidade, preguiça ou pura conveniência, aceitamos essa imposição e, não há problema algum nisso, desde que estejamos a par daquilo que ingerimos e que nos responsabilizemos por eventuais efeitos colaterais, caso contrário, o antiácido talvez não ajude muito. ;-)

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