sábado, 6 de junho de 2009

Passado Vivo



No último sábado (30/05), aconteceu a re-inauguração do Cine Marabá, último dos integrantes da Cinelândia clássica do Centro de São Paulo, nos arredores do Largo Paissandu, fechado a quase 20 meses devido às reformas.
O projeto de restauração que o arquiteto Ruy Ohtake começou a desenvolver em 1999 preservou a fachada e o saguão principal, pois o edifício do Marabá é tombado, e tais estruturas não podem ser retiradas, no máximo, restauradas. Mas isso é só o que sobrou do Marabá que freqüentei assiduamente entre 2002 e 2005.
Transformado num Multiplex da Playarte, a antiga sala única de 1665 lugares deu lugar a cinco ambientes (salas), a maior com pouco mais de 400 lugares, e a menor com 122.
Ao entrar no local para fazer algumas gravações (coincidentemente, estou gravando um documentário sobre as velhas salas de cinema do Centro), uma mistura de estranheza e nostalgia tomou conta de mim enquanto eu me escondia por trás da câmera. O saguão principal era bem parecido, mas estava reformado, mais claro, com uma bombonière bem mais brilhante do que eu me lembrava. Agora há ali também as bilheterias com telas LCD mostrando a programação. A escadaria que dava acesso ao andar de cima, antes fechado, foi reaberta, e também mantém parte do aspecto original. E só.
Basta passar o saguão principal que adentramos por corredores mais escuros e coloridos. Faixas de cor lilás, verde, vermelho, nos levam em direção às salas. Paredes espelhadas divertem as crianças. Pequenos sofás de couro preto estão espalhados por alguns cantos. Escadas que descem para salas no nível inferior. Além disso, mais uma bomboniere que muito me lembrou as que encontramos nos Multiplex dos Shoppings.
Pudemos entrar em uma sala. Poltronas vermelhas, reclináveis e confortáveis. Paredes cobertas por um pano vermelho. Luzes amarelas em lustres finos que se assemelham a quadros. Um estilo um pouco diferente, mas nada que fuja dos padrões Cinemark ou UCI.
Difícil não me recordar da sala antiga. As poltronas pretas, feitas de um tecido fino e fofo, mas já tão gastos que em muitas era possível sentir a madeira da cadeira. A grande maioria apresentava algum rasgo. As caixas de som eram horríveis. Entendia-se um filme porque, ao ler a legenda, nosso cérebro “fingia” entender também o que falavam os personagens, mas se o filme fosse dublado... Lembro-me que a inclinação não funcionava mais tão bem e, ou se deitava na cadeira para ver o filme, ou se passava a sessão toda com a cabeça levantada, e arriscava uma possível dor de pescoço. A tela era bem grande. E o teto também. Descascando, com grandes manchas de infiltração e alguns fios pendurados, não deixava de ser uma imagem majestosa deitar-se nas poltronas e simplesmente ficar olhando para cima, para o teto infinito, enquanto o filme não começava. Havia um banheiro no qual, para se chegar, atravessava-se um caminho por trás da tela. A porta era no lado direito do ecrã. Sem luz, subia-se as escadas, passava-se por um portão cheio de tábuas e correntes, subia-se mais um pouco por uma escada que ia afinando, até chegar ao banheiro, completamente vazio. Era lindo de tão assustador que era. Mas estava abandonado. A maioria dos espectadores eram pessoas buscando algum refúgio de uma hora e meia. Lugar perfeito para jovens (como eu na época) acharem-se aventureiros daquele local que, de tão decadente, tornara-se tão exótico.
Quando a sala fechou, fiquei tão triste quanto quando fecharam o Ipiranga, ali, do outro lado da rua. Não tinha muitas esperanças de que ele fosse reaberto. Mas ele foi, como um Multiplex. Fica a questão de que até que ponto esse é uma alternativa válida. Dizem que o Cinemark há anos tem projeto semelhante para majestoso Cine Marrocos. Não sei, pensar nesses cinemas, na Cinelândia, é pensar numa experiência, numa vivencia de cinema que não existe mais a não ser na memória daqueles que puderam desfrutar dessa sensação. Eu mesmo, talvez, jamais saiba como seria assistir a um filme numa sala de mais de 1500 lugares lotada.
Em 1956, as salas de cinema levavam um público de mais de 58 milhões de espectadores. Só na Cinelândia, eram mais ou menos 20 salas de cinema.
Hoje em dia isso pode parecer um absurdo, mas já foi a realidade.
O Marabá está aberto novamente. Uma memória trazida de volta a vida. Resta saber o que fazer com as outras salas que ainda não se tornaram cinemas pornôs, igreja ou estacionamento, e que se encontram fechadas há anos. São anacronismos espaciais. Muitas estão lá, podemos vê-las, mas estão mortas também, perdem-se no meio do cenário, sem brilho, sem vida, distribuindo luz apenas na memória dos poucos que viram seus dias de ouro.





Um comentário:

  1. q interessante o documentario q vc esta fazendo, paulo!!
    realmente são sentimentos contraditórios q invadem nossas mentes ao imaginar o q era o cine maraba do passado e como ele ficou na reinauguraçao. nao q eu tenha conhecido o antigo cine maraba, mas consigo imaginar atraves de sua descriçao. por um lado, ha a falicidade da reinauguraçao, e a faixada restaurada.. mas por outro, as diferenças gritantes no interior... seriam as exigencias do publico pos-moderno? talvez, se a reforma mativesse as poltronas desconfortaveis e a sala unica gigante com som ruim, o lugar ficaria abandonado, recebendo apenas o publico aventureiro q recebia em sua epoca e correria o serio risco de fechar.
    eu sei q vc gostaria de reviver a sensação q esteve presente naquela epoca de sua vida, mas essas adaptações/modificações foram necessarias para q o cine maraba sobreviva, e para q outras pessoas possam visita-lo.

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