terça-feira, 4 de novembro de 2008

A Festa da Menina Morta




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Sempre estou disposto a conferir atores trocando seus papéis habituais e encarando a direção de um filme. É interessante a forma como se dá essa inversão de funções e como se constrói esse olhar que por tanto tempo era apenas paisagem. Vez em quando, as surpresas têm um sabor doce, em outros casos, um pouco azedo.


Infelizmente, A Festa da Menina Morta, primeiro filme dirigido pelo excelente ator Mateus Nachtergaele, fica com o segundo time.


Na história, um pequeno povoado da região do rio Amazonas se prepara para a comemoração da tal festa. Há vinte anos, uma menina morreu e nunca foi encontrada. Na época, uma sucessão de fatos levou as pessoas a acreditarem que Santinho (Daniel de Oliveira) pudesse realizar milagres e, a partir de então, além de se comemorar a data de aniversário da morte da menina, as pessoas vão até Santinho em busca de bênçãos, aconselhamentos, milagres. A história do filme é centrada nos dois dias de preparativos, tendo a festa como o clímax.



Como um bom ator, Mateus sabe extrair o que de há melhor em seus protagonistas. Daniel de Oliveira transita perfeitamente entre os extremos pelos quais percorrem as reações de Santinho. Os desconhecidos Juliano Cazarré (Tadeu, irmão da menina morta), Conceição Camarotti (Das Graças) e Ednelsa Sahdo (a Tia) não deixam por menos e compõem perfeitamente papéis de importância que orbitam ao redor da figura de Santinho. Mas se coordenando a função que o consagrou, o diretor exibe toda a experiência que adquiriu ao longo de sua carreira, na direção ele peca numa seqüência de equívocos que, não só prejudicam o ritmo do filme, mas apontam para certas manias de outras produções nacionais.

Se, num primeiro momento, os longos planos-seqüência dão maior destaque a atuação de seus atores, a sucessão eventual por planos-detalhes se evidencia totalmente desnecessária, e logo se percebe certa “lógica de montagem” com plano-seqüência/plano-detalhe/ plano-seqüência, chegando a cansar o espectador, tamanha a repetição. Se a intenção de Mateus era explorar “tempos mortos”, deveria ter investido um pouco mais no estudo de obras de cineastas que utilizaram o recurso a exaustão e com extrema excelência, como o mestre Antonioni. É provável que o problema de ritmo pudesse ser compensado se o roteiro fosse mais bem trabalhado. Se as imagens são construídas a passos de tartaruga (contribuindo para que a bela direção de fotografia de Lula Carvalho seja apreciada, mesma com a predominância de espaços interiores no filme), esse tempo parece não dar conta das informações que o espectador recebe do filme. Além de ter de remontar o quebra-cabeça que é a história da menina morta - que em momento algum é inteiramente esclarecida -, temos a crise de fé pela qual passa Tadeu, o crescente incomodo psicológico que Santinho vem sentindo em relação à lembrança de sua mãe, a relação incestuosa dele com seu pai (vivido por um subaproveitado Jackson Antunes), além da sugestão de histórias paralelas das tias que o diretor insinua, mas nunca leva a adiante. O pior fica para a rápida resolução dos conflitos, beirando a preguiça no caso de Tadeu e ao clichê dramalhão no caso da mãe de Santinho.



A Festa da Menina Morta, em toda a sua crueza de imagens e dureza de seus personagens, lembra o cinema de Cláudio Assis, com quem Mateus trabalhou em Amarelo Manga e Baixio das Bestas. Mas assim como os filmes do pernambucano, carece da falta de alguma coisa. Na esperança de apresentarem o ser - humano em toda a sua natureza imoral e irracional, levado apenas pelos desejos, esses filmes acabam num limbo de pretensão e vazio ideológico e, se por um lado ressaltam a evidente qualidade técnica da atual cinematografia nacional, por outro, simplesmente assumem a outra face da moeda cinema padrão / cinema marginal, reafirmando que o importante é “chocar” e ver como somos todos podres pó dentro. Ou seja, a mesma masturbação mental de sempre.

Um comentário:

  1. hm não vi o filme, mas gostei da crítica! rs
    é uma coisa que eu tenho pensado também... em como as produções nacionais atuais (que querem se diferenciar da linha, digamos, comercial) sempre tem a pretenção de chocar o espectador... mas um choque que se esvazia pela falta de consistência narrativa/ideológica. e é sempre pela mesma linha sexo-drogas-vazio.

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