quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

O Lutador


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Uma das palavras que parecem vir à mente quando se lê a sinopse do filme O Lutador é a palavra redenção. Homem que já teve seus dias de glória no passado e agora caminha no esquecimento recebe uma segunda chance de reparar alguns erros e voltar ao topo. Seria uma típica história de reparação, não fosse um importante fato: a tal redenção chega sim afinal, mas para o diretor Darren Aronofsky e com ainda mais força para seu ator protagonista, Mickey Rourke. E a segunda chance do lutador do título, bem, apesar das aparências, não há segundas chances aqui.


Randy “The Ram” Robinson (Mickey Rourke) teve seu auge como lutador de wrestling (luta - livre por aqui) na década de 80, e foi caindo no esquecimento durante as décadas seguintes. Vive agora da fama do passado, respeitado por todos os companheiros e sendo aclamado nos pequenos ginásios ou ringues improvisados onde ainda consegue “atuar”. Após uma luta, Randy tem um enfarte, e é aconselhado a não lutar mais, pois seu coração, após anos de bebidas, lutas, uso de anabolizantes e tudo o mais que o instinto autodestrutivo do personagem pudesse suportar, está agora fraco demais e não se sabe até que ponto pode agüentar. Aparece aqui a oportunidade para que ele refaça sua vida, se aproximando da filha Stephanie (Evan Rachel Wood) que negligenciou durante anos, da stripper Cassidy (Marisa Tomei) e que se estabeleça em seu emprego “normal” no setor de frios e açougue de um supermercado. Mas estamos na época da comemoração de vinte anos da luta entre The Ram e o “Aiatolá”, ponto máximo de sua carreira, e um festival será organizado para oferecer a revanche. Randy vê aqui a oportunidade de resgatar os anos gloriosos.


A premissa é simples e, aparentemente, até clichê, mas ao se assistir ao filme, percebe-se estar diante de uma obra de qualidade única no cinema, a começar pelo seu personagem. Randy não está em busca de redenção, quer apenas fazer o que gosta, a única coisa que o faz se sentir vivo, mas quando o médico o aconselha a não lutar mais, ele é obrigado a olhar para a força do tempo que passa, para o próprio caminho que trilhou e para a vida que levou nos últimos vinte anos. Perceber que o personagem, ao longo do filme, vai tomando consciência de que o tipo de vida que leva e seus valores pertencem à outra época é tocante, pois Randy ama de verdade o “seu tempo”, mas é obrigado a caminhar por aí como uma relíquia, como espólio de algo que já passou. Se hoje em dia ele simplesmente vaga por aí, não há forma melhor de mostrar isso do que com a câmera na mão. Ela o segue por todos os lados, permitindo que ele escolha o caminho, o que reforça o sentimento de deslocamento, uma vez que são longos os corredores pelos quais ele costuma passar.


O contraste de O Lutador com os outros filmes da carreira de Darren Aronofsky é assustador. Se ele apostava numa linguagem extremamente fragmentada e psicológica em Pi e Réquiem Para Um Sonho, ou pela fantasia estética- visual e introspecção em Fonte da Vida, aqui o clima é mais seco, as cores, com exceção dos “colantes” dos lutadores e do sangue, são frias, tudo é excessivamente duro, tudo excessivamente pesado, como a carga que Randy carrega. Mas é ainda mais impressionante encontrar nesse cenário áspero, espaços para o simbolismo. Quando se pensa que a aposta seria em mais uma obra calcada no que parece ser lei hoje em dia, o realismo, há a cena do corredor onde The Ram veste seu “uniforme” de trabalho, atravessa os corredores escuros, se alonga fisicamente, o grito do público cresce numa constante, ele hesita por alguns instantes e... tudo se silencia, pois ao invés do ringue, temos o balcão do supermercado. Doído demais. Em 2006, Aronosky saiu injustamente sobre um mar de vaias por Fonte da Vida. Críticos de todo o mundo acusaram o jovem diretor de perder a mão (isso apenas em seu terceiro filme), que ele era pretensioso e que nunca mais faria nada na relevância de Réquiem... e Pi. Saiu em 2008 com o Leão de Ouro em Veneza e, só não foi indicado à melhor diretor e melhor filme em outras categorias porque as organizações não cessam de fazer injustiças a torto e a direito (Christopher Nolan que o diga).


Não por acaso, após Veneza, a divulgação de O Lutador se focou na interpretação de Mickey Rourke. Numa escalada freqüente de bons papéis na década de 80, trabalhando com bons diretores e sendo correto em suas atuações, o ex-galã entrou na década seguinte fazendo uma série de escolhas erradas. Abandonou a carreira no cinema para se dedicar ao boxe, fez muitas plásticas, envolveu-se em escândalos dos mais diversos e, quando tentou retornar ao ofício de ator, fez algumas escolhas equivocadas. Mas nos últimos anos, começou a ser relembrado por alguns diretores e, se o Marv de Sin City lhe rendeu certa atenção, é apenas com o filme de Aronofsky que ele retorna definitivamente a atuação, no desempenho de sua vida. Até poderia se valer da máxima de que a vida se confunde com a ficção em O Lutador, porém, Randy não é Rourke, mas Rourke sabe que poderia ser Randy. É preciso coragem para olhar para a própria vida e rever as decisões erradas que se tomou. Em seus discursos de agradecimento pelos prêmios que vêm colhendo pela sua atuação no filme, Rourke não deixa de lado o passado e reafirma que está buscando seu caminho novamente, assumindo problemas das decisões que tomou na última década. 90´s sucks! diz Randy, 90´s sucks! deve pensar Mickey Rourke. Sua entrega física ao personagem The Ram é tão impressionante quanto os limites físicos que podem chegar os lutadores de wrestling para entreter o seu público (como cortar a si mesmo). E seu olhar diz tanto quanto suas palavras, que não são menos fortes. “Sou apenas um pedaço moído de carne, e mereço ficar sozinho. Só não quero que você me odeie” diz ele a sua filha Stephanie. Ou quando ele conta sofre seu enfarte para a personagem de Marisa Tomei (linda e perfeita no papel) e ela apenas diz que vai ficar tudo bem, mas que ela tem que voltar ao trabalho. Quanto ao olhar, difícil não se comover com o terror nos olhos de Randy ao constatar, numa espécie de convenção da velha guarda da luta - livre, que seus companheiros estão todos velhos, decadentes, sozinhos, com a saúde comprometida, quase como se encarasse um espelho colocado forçadamente a sua frente.


O ritmo do filme varia entre o intenso e o pacato, mas há algo ali que conduz o espectador o tempo todo, sem que se saiba ao certo o que é isso. O brilhantismo da fita de Darren Aronofsky e Mickey Rourke espera até os seus últimos minutos para se revelar. E é num momento catártico onde, enquanto Randy se agiganta, somos colocados finalmente à distância, apenas para assistir ao momento e permitir que o personagem viva aquela emoção sozinho, que tudo o que foi mostrado até aquele momento se torna inesquecível. Não me lembro de um final tão coerente e que dê tanto sentido a tudo o que foi construído até então. É o momento de redenção do diretor, que não devia nada a seus críticos, mas deve ter tido sua auto-estima tão abalada que precisava provar algo a si mesmo. É o momento de redenção do ator, que não só precisava provar algo a si mesmo, quanto desejava agradecer a todas as pessoas que um dia acreditaram nele, além daqueles que nunca o abandonaram.


Mas não é a redenção de Randy “The Ram” Robinson. Seu tempo já passou, ele já fez demais. Só o que importa agora é aquela sensação, aquele momento, aquilo que ele sabe fazer. O que vier depois não importa. Ele nos deixa comovidos com sua presença, nos dá força, e deixa para nós a última palavra, o último grito. Pois ele é apenas um lutador.


Fica na letra da linda canção de Bruce Springsteen o que reflete o que é, desde já, um dos melhores filmes do ano e, particularmente, um dos melhores filmes que o cinema já ofereceu.




Bruce Springsteen - The Wrestler


Two, three, four



Have you ever seen a one trick pony in the field so


happy and free?


If you've ever seen a one trick pony then you've seen


me


Have you ever seen a one-legged dog making his way


down the street?


If you've ever seen a one-legged dog then you've seen


me



Then you've seen me, I come and stand at every door


Then you've seen me, I always leave with less than I


had before


Then you've seen me, bet I can make you smile when the


blood, it hits the floor


Tell me, friend, can you ask for anything more?


Tell me can you ask for anything more?



Have you ever seen a scarecrow filled with nothing but


dust and wheat?


If you've ever seen that scarecrow then you've seen


me


Have you ever seen a one-armed man punching at nothing


but the breeze?


If you've ever seen a one-armed man then you've seen


me



Then you've seen me, I come and stand at every door


Then you've seen me, I always leave with less than I


had before


Then you've seen me, bet I can make you smile when the


blood, it hits the floor


Tell me, friend, can you ask for anything more?


Tell me can you ask for anything more?



These things that have comforted me, I drive away


This place that is my home I cannot stay


My only faith's in the broken bones and bruises I


display



Have you ever seen a one-legged man trying to dance


his way free?


If you've ever seen a one-legged man then you've seen



me

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