terça-feira, 28 de outubro de 2008

Factotum




Antes de qualquer coisa, tenho que confessar que meu primeiro contato com Charles Bukowski foi em uma edição passada da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, onde obtive conhecimento do filme Factotum (que, como não pude assistir na própria Mostra, anotei os dados do filme e fiquei a espera de sua estréia em circuito nacional, como faço com tantos outros que provavelmente nunca entrarão em cartaz). Dito isso, minha análise será puramente sobre o filme, seus aspectos objetivos, não fazendo comparação à obra escrita de Bukowski, a qual ainda não tive acesso, mas que garanto ter entrado na minha lista de autores a conhecer.


Factotum nos apresenta uma parcela da vida de Hank Chinalski (Matt Dillon), visivelmente um alter-ego para o próprio Bukowski. Chinalski é escritor e, quando não está escrevendo, passa seus momentos bebendo, fumando, procurando emprego e sendo despedido. Numa interpretação adiantada, poder-se-ia dizer que Chinalski vive uma vida boêmia, assim como tantos outros escritores e filósofos de perfil parecido. Mas basta assistir ao filme para perceber que não é bem assim.


Chinalski têm objetivos: escrever, beber, observar a vida a sua volta, e, por que não, vivê-la (do seu jeito, claro). Não há em momento algum indício de que ele não goste da vida que leva, mesmo em um dos poucos momentos onde consegue se expressar abertamente deixando clara a sua indiferença quanto a sua condição de vagabundo. Tem consciência até mesmo das poucas relações que cria em sua vida, principalmente com as mulheres. São regadas por algum tipo de interesse mútuo, seja para ganhar dinheiro ou simplesmente sexo. As personagens de Lili Taylor (em boa atuação) e Marisa Tomei (breve participação) são apenas exemplos das diversas relações que o protagonista teve ao longo de sua vida.


Chinalski parece há muito ter percebido esse lado cruel da vida humana e simplesmente abdicou de tudo em favor de seu próprio estilo de vida. Difícil seria afirmar que alguém que escreve tenha desistido de tentar viver, muito pelo contrário, o fato dele continuar escrevendo é porque acredita que existem coisas a serem ditas, ou que, no mínimo, ele ainda tenha o que dizer.


Matt Dillon que há muito vinha seguindo o caminho dos ex-galãs em decadência, faz a mesma coisa que muitos de seus colegas vêm fazendo: arriscando-se no cinema independente, e acaba acertando em cheio. Compõe um Chinalski bêbado, barrigudo, sujo, de imagem repugnante para os amantes da boa etiqueta, porém, acima de tudo, charmoso e sedutor na medida certa, seduzindo-nos a entrar em seu mundo e vermos a vida pelo seu próprio ponto-de-vista. Dillon, que concorreu a uma estatueta por outro filme independente, Crash – No Limite, nos devolve a esperança para uma carreira que parecia fadada as vídeo locadoras.


Enfim, em Factotum a vida nos parece mais suja do que o de costume, as pessoas nos parecem mais desprezíveis e ignorantes do que o de costume. As pessoas retratadas no filme fazem parte da maior parcela do povo americano, bastante diferente da classe média que reina nas produções em geral. Pessoas desiludidas tentando sobreviver seja com o salário do fim de mês, que unicamente suplanta suas necessidades básicas ou arriscando-se em jogos de azar ou em alguma relação prazerosa ou vantajosa.



Diante de uma realidade tão fria, uma das sensações ao se assistir ao filme e para aqueles que simpatizaram com seu protagonista é a de que há momentos onde se torna tentador a idéia de seguir a “religião” de Chinalski e dar uma grande risada da vida que corre logo ali, do outro lado da janela.

* Apenas por curiosidade, Factotum no dicionário significa algo como “pessoa que faz o serviço de outra”, “pessoa indispensável”, “pessoal que tudo sabe fazer ou resolver”. Para os que assistiram ao filme, lembrar das constantes mudanças de emprego do protagonista é quase automático.






** Mais de um ano e meio depois de ter escrito esse texto, fiz minha lição de casa e enfim entrei em contato com a obra de Bukowski (logo após passar uma época sonhando com meus dias caso eu tivesse feito parte da geração beat). Parei na metade do livro que lia e pretendo retornar a ele assim que possível (apareceram-me outras obras e me perdi entre a leitura de "umas e outras").

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