terça-feira, 28 de outubro de 2008

O Prisioneiro da Grade de Ferro



Confesso que estava com um pouco de receio em escrever um texto sobre o filme O Prisioneiro da Grade de Ferro (Auto Retratos), de 2003, direção de Paulo Sacramento, documentário filmado ao longo de sete meses no ano anterior (2001) a implosão de alguns pavilhões da Casa de Detenção de São Paulo, o Carandiru.


Falar do Carandiru já seria difícil sem o devido conhecimento quanto aos anos de existência deste hoje mítico local, de tantas histórias e simbolismos para a sociedade paulistana. Eu mesmo, que vivi a vida toda em São Paulo, sei pouco sobre a história do complexo penitenciário.


Diante disso, tentarei registrar apenas algumas impressões e reflexões quanto ao filme, tentando seguir um percurso que não afirme nada que não seja algo que, de fato, esteja ali.


No ano anterior a desativação do complexo penitenciário, a produção do filme ensinou 20 presos a operarem câmeras de vídeo, e durante sete meses foi registrado o cotidiano do Carandiru. O resultado final é uma mescla de imagens feitas por profissionais do cinema e pelos próprios presos.


Imaginar como se davam as relações ou mesmo o dia-a-dia dentro da casa de detenção sem ter realmente estado no local, vivido aquela situação, é algo impossível para aqueles que nunca fizeram parte da população do Carandiru. Dito isso, é assombrosa a forma como somos conduzidos para os corredores, para dentro das celas, pelos pátios e outros ambientes com uma incrível liberdade. Surpreendentemente, os presos abrem suas portas, tanto para seus colegas que seguram as câmeras quanto para o pessoal da produção (inclusive o próprio Sacramento) e não têm medo de mostrar à sujeira, as condições de vida, as drogas (e vemos a produção de maconha, cachaça e mesmo crack já em sua forma de consumo), os ratos – aparentemente, a outra população do local - com uma hospitalidade inacreditável. Não consigo deixar de pensar no glamour simbólico que uma câmera de vídeo pode provocar num público sem acesso devido à educação – e falo aqui da maioria de nossa população. Claro que, mesmo com toda essa liberdade, temos apenas uma representação imagética, jamais tátil.


As duas horas de duração são realizadas a partir de um excelente trabalho de montagem. Sacramento, em seu primeiro longa-metragem, tinha em seu currículo “apenas” a direção dos curtas Ave (1992) e Juvenília (1994), a montagem dos filmes Tônica Dominante (2000), de Lina Chamie, e de Cronicamente Inviável (2000), de Sérgio Bianchi, e a produção e montagem do bem visto longa-metragem de Cláudio Assis Amarelo Manga (2002). A montagem é feita como se dividida em capítulos, sendo alguns pavilhões o tema principal e alguns subtemas surgidos posteriormente, como faxina, dia de visita, o templo religioso, assim como seus personagens – os presos que habitam cada pavilhão. Não existe um modo formal onde se encaixa a “narrativa”, não há um início ou um fim, mas uma minuciosa seleção dentro das mais de 170 horas de registro original dentro do local. Percebe-se que um assunto escolhido poderia ser uma ponte para o próximo material a ser exibido e assim se sucede as escolhas até que se encontre um conjunto suficiente de seqüências que expressem uma mensagem – e não serei eu a afirmar qual de fato seria essa mensagem.



O Prisioneiro da Grade de Ferro (Auto Retratos) é um documento histórico, mas extremamente humano. É impensável reagirmos imparcialmente às cenas e aos comentários dos presos ou dos ex-diretores que aparecem ao final do filme. Sejam pensamentos pró ou contra, a verdade é que somos também tomados por um sentimento que permeia a vida dos moradores da Casa de Detenção de São Paulo: o de conflito. Confrontamos nossos pensamentos contra nossos sentimentos. A razão é a todo instante obrigada a dividir o espaço com a compaixão, e tentamos apenas sobreviver a esse embate. Mas é certo que as marcas deixadas por esse conflito psicológico não são tão intensas quanto aquelas que carregaram todos os que fizeram parte da população do Carandiru.

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