terça-feira, 28 de outubro de 2008

Batman - O Cavaleiro das Trevas









A uma tragédia anunciada logo na primeira parte de Batman – o Cavaleiro das Trevas e podemos perceber isso nos pequenos detalhes.


Se estamos todos na expectativa de nos encontrarmos com o personagem do Coringa (Heath Ledger), ele surge e desaparece da mesma forma como conduzirá toda a sua trajetória e dos habitantes de Gotham ao seu redor, sem qualquer segurança ou aviso prévio. Há ainda pessoas que se vestem de Batman tentando fazer justiça com suas próprias mãos, fazendo com que Bruce Wayne (Christian Bale) repense o papel que desempenha e revise os objetivos que tinha ao assumir o manto de homem-morcego. Um homem busca a justiça sem se render de maneira alguma ao sistema (Aaron Eckhart como promotor Harvey Dent) e tendo como poucos aliados o tenente Gordon (Gary Oldman) e como inimiga toda a máfia da cidade (e fora dela). É com esses e outros elementos que Christopher Nolan tece uma cadeia de eventos e acontecimentos que, inevitavelmente, nos levarão a fins extremos em ambos os lados, e some-se a isso a trajetória de cada personagem que não poderão mais carregar em si a alcunha de herói ou vilão.


A aula de cinema que é Cavaleiro das Trevas escorre por cada canto de sua produção. Não há desperdício de película nem situações inúteis a compor roteiro. Cada elemento tem seu “porque” de existir. Se a situação pede dramaticidade, ficamos próximos dos personagens, sentimos suas emoções. Se o tom é épico, a trilha pontual reforça os sentimentos, as tomadas aéreas se fazem presentes, a grua percorre seu caminho de cima a baixo. Há ação, romance, humor, terror. Em pouco mais de 140 minutos, Nolan faz de seu filme uma síntese de nossos dias, tão caóticos como o Coringa, pois se nos espantamos com as empreitadas do Palhaço do Crime, também o fazemos no mundo real, onde existem os mesmos massacres, onde existe o mesmo receio em andar pelas ruas e ser atingido por nossos próprios policiais, onde a corrupção disfarça, esconde e confunde bandido e mocinho.


Bruce Wayne, a fim de poder lidar com a infinita dor da perda de seus pais, assumiu a imagem mais assustadora que mantinha em seus pesadelos e fez dela um meio para livrar o mundo da corrupção. A intenção era de que a mesma imagem que pusesse o medo servisse de inspiração para as pessoas. A esperança de que isso se torne realidade surge na imagem do promotor Harvey Dent, que faz com que Bruce chegue aos seus limites, a ponto de suportar ver seu amor (Maggie Gyllenhaal) se distanciando cada vez mais. Mas como já foi dito, O Cavaleiro das Trevas é uma tragédia, e não tardará para que a esperança se transforme em desespero.


E esse desespero tem nome: Coringa. Heath Ledger encarna a versão definitiva do personagem. Não há origem, não há motivos, não há desculpas, o Coringa é o que é. Como uma força incontrolável, sua teia “não planejada” de eventos leva os habitantes de Gotham a seu extremo limite, e mais fundo irão seus “heróis”. Fica a constatação do tipo de ator que Heath Ledger poderia ter sido se não houvesse falecido no começo deste ano. Sua entrega ao personagem (como já havia feito em filmes como O Segredo de Brokeback Moutain e Candy) apenas apontam uma crescente evolução artística e uma capacidade de síntese assustadora. Os olhos de seu Coringa estão sempre abertos, movimentam-se de maneira veloz e precisa afim de não perder um único lance. A língua que molha o redor dos lábios a todo instante, parece nos lembrar quando temos alguma marca ou machucado e ali mexemos todo o tempo. Sua voz nasalada e sinistra nas mesmas proporções. Um andar duro, cômico, e alerta. Nada da fanfarronice histriônica de Jack Nicholson. O Coringa de Ledger está anos-luz a frente do Coringa de Tim Burton.


Christopher Nolan clama a quem quiser ouvir, desde o filme anterior, que seu Batman poderia ser real, isto é, não há nada de gratuito na história do menino que viu os pais sendo mortos e que jurou defender a justiça. Escrevendo o roteiro junto com irmão Jonathan Nolan, a partir de um argumento de David Goyer (roteirista de Batman Begins), Nolan resume uma questão a anos trabalhada de diferentes formas, a de que Batman não é um super-herói. Ele não tem super-poderes, é apenas alguém muito inteligente movido por sentimentos profundos. E se no filme anterior tínhamos um Wayne inexperiente, que falhava a todo instante, no novo filme vemos sua natural evolução (e as cenas em Tóquio são emblemáticas nesse sentido), tanto em seu aparato técnico e necessidades, quanto a sua forma de pensar. Aqui também há os momentos de desespero, e ainda maiores do que no primeiro, mas Bruce não hesita em tomar as difíceis decisões que lhe aparecessem a todo o instante. O domínio de produção que Nolan exibe no filme é impressionante. O diretor tem classe, muita classe. É escola Scorsese e Michael Mann da melhor qualidade. O trabalho com os excelentes atores, as câmeras precisas, a fotografia e, acima de tudo, o roteiro, lançam o diretor definitivamente ao patamar de “grande”, e fazendo de um blockbuster um cinema autoral.


Muito mais poderia ser dito a respeito do filme. Há ali muitos destaques merecidos, como o papel do Tenente Gordon, uma alma pura em meio ao inferno e, a jornada de outro cavaleiro, Harvey Dent, o Cavaleiro Branco de Gotham. Assistir a sua jornada em paralelo a de Batman é tão comovente como a do morcego e, ao final, percebe-se como Harvey acaba sendo o grande alicerce de toda a história, sendo sua presença o motor e vários conflitos ao longo da exibição.



A vontade de continuar a escrever sobre o filme só não é maior do que a de revê-lo. Fica a dica, no, ao que parece, quase impossível caso de alguém ainda não ter visto Batman – O Cavaleiro das Trevas, que vá tranqüilo ao cinema. Sente-se, relaxe e permita ser conduzido sem medo ao universo das sombras de Gotham, que tão bem reflete nossa sociedade. Se isso parece assustador, não se esqueça em momento algum que ainda podem existir cavaleiros que lutem por motivos muito mais nobres que o dinheiro e o poder, heróis anônimos, e esperamos que eles não vivam o suficiente para se tornarem vilões, como diz Harvey Dent, mas que a paz chegue antes e eles possam deixar o anonimato e viver em harmonia com todos os outros.


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