quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

Gomorra

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Logo de cara, algo me incomodou no cartaz de Gomorra, filme do italiano Matteo Garrone. Entre alguns destaques de opiniões da imprensa e o alardeado Grand Prix no último Festival de Cannes, havia um letreiro dizendo algo como “o Cidade de Deus italiano”. Claro que isso não fazia parte do cartaz original e deve ter sido idéia de algum gênio da distribuição nacional ou frase da crítica “especializada”. O fato é que acabei entrando na sessão com a frase na cabeça e com a tarefa de tentar descobrir se tal comparação fazia algum sentido.

Gomorra se refere à máfia local da cidade de Nápoles, a Camorra. No filme, várias histórias são contadas – a saber, dois jovens ignorantes e aspirantes a mafiosos, um menino que entra para o grupo como uma tentativa de obter proteção e ascensão social, um homem que faz o pagamento das famílias protegidas pela máfia, um costureiro que dá aulas a chineses sem que seus empregadores italianos saibam e um especialista em se livrar do lixo dos outros, literalmente – que, eventualmente, se ligam em algum grau. Apesar das histórias individuais, fica claro que o objetivo é demonstrar a vida e seus desdobramentos dentro de um universo controlado em sua totalidade pela máfia italiana. Da praticamente inexistente ação da polícia a dependência dos moradores dos bairros, em Gomorra todos estão sujeitos a ação dos mafiosos e são obrigados a escolher um dos lados para sobreviver na “guerra” dos grupos que lutam pelo poder absoluto.


Para seu tema atual e pesado, Garrone se utiliza de todos os efeitos técnicos e estéticos para representar com imagens toda a dureza e crueza que há na vida dos subúrbios de Nápoles. A câmera na mão e um estilo quase documental de filmar reforçam tal urgência (termo na moda, bastante utilizado hoje em dia) de denunciar (outro termo na moda) as ações da Camorra, que não raramente passam impunes pela justiça. A máfia de Gomorra está bem longa da máfia da família Corleone de Copolla ou dos bares e jantares do Al Capone de De Palma. Ainda que direcionem seus olhares para esse estilo de vida glamourizado, a vida real parece estar mesmo longe da bela fantasia e, a preferência por Tony Montana (personagem central de Scarface, versão de 1983) só demonstra mesmo como os integrantes da Camorra e da máfia verdadeira vivem apenas de sujeira e ilusão (vide a história dos dois jovens), mesmo usando seus agasalhos a la Tony Soprano.


A opção por esse forma mais crua de construir seu filme é o primeiro fato que contesta a referência ao filme do brasileiro Fernando Meirelles. Se Gomorra evita a todo custo uma estilização moderna de suas imagens ou outras formas mais clássicas para desenvolver sua narrativa, Cidade de Deus se apresentava como um espetáculo videoclíptico que somava vários recursos da produção audiovisual da década de 90 e 2000 (principalmente àquela estabelecida com a geração MTV) com um tema essencialmente nacional: a violência e a favela. O que Cidade de Deus fez foi transformar o tema principal e vício do cinema nacional em algo que o grande público pudesse assistir sem muita dificuldade, ao contrário do que fez o cinema novo, que pensou algo parecido, mas não conseguiu se livrar de produzir um cinema consumido apenas por uma pequena elite.


Talvez se possa olhar para os dois filmes, o de Meirelles e o de Garrone, como tentativas de exportar o cinema de seus respectivos países e resgatar ou conquistar olhares do exterior. Se não for um pensamento errado, no caso do primeiro cineasta, deu certo. Ao fazer um filme com um tipo de estética amplamente conhecida e digerida em todo o mundo, Meirelles deu o primeiro passo para sua carreira internacional além de contribuir para que a atenção dada ao cinema brasileiro (que sempre existiu mais em alguns momentos e menos em outros) se reafirmasse e se reforçasse, mesmo que isso acabe soando mais como uma derrota (“se não pode com eles, junte-se a eles”) do que como uma vitória de nossa originalidade. Já Garrone, parece tentar reproduzir em sua crueza um passado do que já foi um dia uma das cinematografias mais influentes do mundo (o neo-realismo) que é a cinematografia italiana, que já há alguns anos carece de produções com boa repercussão mundial. O problema é que talvez ele não tenha se dado conta de que toda a crueza e dureza expostas em seu filme, também já é hoje em dia um recurso cansativamente utilizado, como já foi o glamour da máfia da qual ele tenta se afastar.


Mas, a denuncia nunca é demais e ainda é valida, mesmo que feita através das mesmas novas-velhas fórmulas, vendidas como originais. Assim como foi feito no filme do nosso Zé Pequeno.


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